A frase do presidente eleito, Jair Bolsonaro, na solenidade
de diplomação, “o poder popular não precisa mais de intermediação”, até
poderia provocar espanto e ser confundida como uma crença nas formas diretas de
democracia, mas não se trata disso.
É verdade que a relação entre representantes e representados
pode ser mais direta e os governantes podem consultar a população a qualquer
instante, mas a ausência de filtros não é necessariamente algo virtuoso e pode,
ao contrário, significar um desprezo pelas instituições republicanas e um
artifício para não dar esclarecimentos convincentes sobre denúncias ou críticas
que o governante venha a receber.
Em suas “lives” nas redes sociais, o presidente eleito dá
indícios de querer governar na base da conversa casual e desinformada. Simula
espontaneidade, mas segue um roteiro pré-definido para tirar o foco do que
interessa.
Agora mesmo, falou várias barbaridades sobre os temas
ambientais pra somente ao final comentar rapidamente os indícios de ilicitudes na
movimentação milionária da conta do ex-assessor de seu filho deputado.
Dizendo apenas que se algo estiver errado, que se pague pelo
erro cometido, deixa de dar explicações claras e transfere a responsabilidade.
Fica parecendo que o combate enérgico à corrupção expirou a validade em menos
de um mês.
O que não foi dito “sem intermediação“, terá que ser
explicado às instituições. O que foi dito sobre as questões ambientais, já
enseja crítica direta e pública.
Comecemos pela tal “indústria
de multas destinadas a ONGs“, sobre a qual o
presidente eleito mostra total desconhecimento. O sistema de conversão é
simples: os infratores podem destinar 60% da multa em projetos de recuperação
ambiental.
O Ibama abre um edital para apresentação de projetos e
qualquer instituição pode participar –órgãos da administração pública federal,
estadual ou municipal, institutos de pesquisa, universidades e ONGs. Com boa
execução e fiscalização, essa pode ser uma forma rápida e eficiente de corrigir
os problemas e repor os prejuízos causados pelos crimes ambientais.
Fica uma dúvida: Bolsonaro passou a atacar o Ibama por ter
sido multado ao pescar em uma unidade de conservação? Ora, ele poderia
financiar um bom projeto de recuperação ambiental e agora, como presidente
eleito, reconhecer o zelo e eficiência dos fiscais que o autuaram.
Sobre sua vontade de integrar o índio à nossa sociedade, por
serem “seres humanos iguais a nós“, isso pode ser tudo, menos uma
demonstração de respeito. Nenhuma liderança ou organização indígena propõe que
suas terras sejam zoológicos ou redomas de isolamento.
Inúmeros povos estão construindo ou já construíram os planos
de gestão ambiental das suas terras e estão desenvolvendo seus produtos e
relações comerciais, mesmo sem apoio governamental.
Os índios dispõem de centenas de organizações próprias,
elegeram mais de 150 vereadores nas últimas eleições municipais e, agora,
disporão do mandato da deputada federal Joênia Wapichana (Rede/RR), que
representa, inclusive, as comunidades da TI Raposa Serra do Sol, que
desenvolvem o mais inovador projeto de geração de energia limpa (eólica +
solar) de Roraima.
O presidente eleito repete o mantra retrógrado de que a “licença
ambiental atrapalha obras“. Mantém a visão ultrapassada da natureza como
obstáculo ao desenvolvimento, e não diz que muitos problemas no licenciamento
devem-se a projetos mal feitos, sem estudos adequados de viabilidade.
O pior é estender essa visão ao Acordo de Paris e às questões ambientais do planeta,
construindo argumentos falsos para tirar o Brasil do mutirão de combate às
mudanças climáticas e condenando a população brasileira a sofrer as graves
consequências que já são visíveis em muitos lugares.
Já vivemos o aumento das doenças infecciosas, a
desertificação de áreas semiáridas, a redução dos recursos hídricos, as
concentração de chuvas rápidas e intensas nas áreas úmidas –com impacto
negativo na agricultura e inundações nas grandes cidades– e vários outros
problemas que se agravam rapidamente com as mudanças climáticas.
Todos os governos brasileiros trabalharam –ou tiveram que
aceitar a contribuição dos cientistas– desde 1992 até definir os compromissos
que nosso país assumiu no Acordo de Paris, firmado em 2015. São prioridades de
nossa nação, compromissos voluntariamente assumidos sem qualquer imposição
externa que atentasse contra a soberania do país.
Para alcançar suas metas, o Estado brasileiro precisa manter
o que deu certo nas últimas décadas, corrigir as falhas e desenvolver novas
iniciativas em diversas áreas. Precisamos assegurar 45% de energia das fontes
renováveis, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de vegetação e
acabar com o desmatamento ilegal, sobretudo na Amazônia.
São políticas positivas para o país. Elas ampliarão os
investimentos públicos e privados para aumentar a eficiência energética,
estimularão o desenvolvimento de tecnologia e criarão condições para geração de
novos empregos urbanos e rurais.
E não é verdade que a recuperação de florestas fará o país
perder o controle sobre suas terras, como diz o novo presidente. Nenhum pedaço
do Brasil ficará sob controle de outro país, é exatamente ao contrário: a
devastação é que favorece o tráfico e a perda das riquezas nacionais.
Esses discursos verborrágicos, que colocam os índios e os
brasileiros pobres como inimigos, inventam conspirações inacreditáveis e negam
as evidências científicas, são artifícios ideológicos para justificar uma
postura política. Mais que isso, servem para gerar especulação financeira e
estimular uma nova onda de saques dos recursos naturais do Brasil.
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