Conversando com um amigo, disse para ele que escrever um
diário talvez ajude a atravessar esta fase sombria no Brasil. Diários costumam
ser confusos, incompletos, mas talvez espelhem melhor o caos, sejam a única
maneira de interpretá-lo. Quando houvesse necessidade de clareza, como existe
aqui, bastaria organizar, editar, acrescentar um ou outro argumento, para
voltar a fazer sentido.
Pensei em começar com a frase de Eduardo Bolsonaro sobre a
bomba atômica. Num diário, falaria da Coreia do Norte, que era dirigida por Kim
Il-sung, e agora um dos rebentos da família se dedica à produção da bomba. Ou
mesmo do ministro brasileiro que defendeu a construção do artefato, vestido com
um roupão numa sala de hospital.
Estava envolvido nessa questão de gênero, no caso gênero
literário, quando li que Bolsonaro esperava um tsunami. Pensei: estou de
bobeira na praia. Deixei tudo de lado, para esperar a gigantesca onda.
Na verdade, não é só uma onda, mas um punhado de ondas
estranhas: a revelação de um pacto para levar Moro ao Supremo, a inabilidade na
explicação para contingenciar gastos na educação, a frase de Bolsonaro chamando
manifestantes de idiotas inúteis.
Uma tática que me parece suicida; quem sabe um dia descubra
sua lógica.
Aí então veio uma onda maior: a iniciativa dos procuradores
do Rio de quebrar o sigilo bancário de Flávio Bolsonaro e de seu funcionário
Fabrício Queiroz, o que, certamente, vai revelar a vida financeira de ambos.
Mas as grandes interrogações que rondam a passagem de Flávio
pela Alerj não se limitam ao sucesso na compra e venda de imóveis. Houve muitas
fontes de renda suspeitas entre deputados do Rio. Propinas, cala-boca, rachadinhas,
um longo inventário.
No entanto, o mais inquietante são os indícios de que a
milícia tinha um espaço no gabinete de Flávio e que esse espaço era
administrado por Queiroz. Milicianos, esposas e mães de milicianos recebiam
salários e não se sabe precisamente por quê.
Uma história de corrupção envolvendo a família Bolsonaro
realmente representaria uma grande onda negativa para quem se elegeu com a
bandeira de luta contra a corrupção.
Mas se a investigação sobre as origens da grana demonstrar
também uma associação com as milícias, aí, realmente, é melhor se afastar da
praia, pois tem cara de tsunami.
De um modo geral, as ondas foram criadas pelo próprio
governo. Bolsonaro viu Lula Livre em todos os cartazes. Parece pedir socorro ao
próprio PT. Por favor, voltem com força. Preciso de um bicho-papão.
Milhares de pessoas foram às ruas porque consideram a
educação um tema decisivo para o país. Elas pedem projetos, explicações mais
sérias do que contar chocolates na TV.
Resta-me, no momento, voltar ao pensamento informal,
refletir mais livremente. Por que sobem e caem os populistas? Por que, ao cair,
acabam fortalecendo um outro populismo que se opõe a eles?
Até que ponto continuarão brincando de gangorra com um país
desse tamanho? O medo de um leva ao outro. E assim vamos vivendo de horrores.
Por acaso, o que esteve em jogo esta semana de manifestações
é uma das chances de sair dessa armadilha: priorizar a educação.
A bomba atômica que explodiu na agenda, com o discurso do
filho do presidente, foi sufocada pelo rumor das ondas. Ia tratá-la com
respeito, pois Eduardo Bolsonaro apresentou-a como um fator de poder do país.
Mas há outros poderes mais suaves: nossa cultura, que não se expressa apenas
nas artes e costumes, mas na defesa da paz em vários lugares do mundo.
É um poder mais barato e durável. Não significa desprezar a
defesa necessária. Mas esse poder é em si um fator auxiliar da proteção. Quem
vai atacar um país internacionalmente empenhado em garantir a paz?
Se tivéssemos uma bomba atômica, Maduro nos respeitaria como
espera o jovem Bolsonaro? A resposta é não. O que faríamos com a bomba atômica?
Momentos estranhos. Mas passam. No meu caderno, anoto apenas
um verso de Fernando Pessoa e o imagino transfigurado na boca de um ministro
Weintraub, mestre em Contabilidade: “Come chocolates, pequena/ Come
chocolates!/ Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário