Bolsonaro deu um passeio no lado íntimo, falando de sexo,
definindo o que pode ou não pode, sobre o número de pênis amputados.
Pensei em comentar o assunto, mas Bolsonaro é tão rápido no
gatilho que desatualiza um cronista semanal. Diz tantas coisas polêmicas que,
ao cabo de sete dias, ninguém se lembra das que abriram a série.
Bolsonaro disse que o turismo gay deveria ser proibido, por
causa das famílias. Os gays lembraram a ele que não nasceram de chocadeiras,
mas são filhos de família.
Os jornais enfatizaram que o turismo gay cresceu mais que os
outros e ele acaba ajudando lugares arruinados como o Rio.
Bolsonaro disse que vir transar com a mulher brasileira
pode. Recebeu críticas. Afinal, um presidente não deveria se meter em relações
sexuais de adultos, nem para proibir nem para elogiar.
O que mais me surpreendeu em Bolsonaro é o fato de ter
escolhido o tema e deixado de lado algo que realmente tem nos preocupado ao
longo dos últimos anos: a prostituição infantil.
Com muitas campanhas, conseguimos reduzi-la. Já estive
documentando isto em Fortaleza. Mas ainda assim um presidente deveria estar em
sintonia com aquilo que realmente interessa e é fruto de trabalho conjugado de
várias instituições.
Sobre o número de pênis amputados, Bolsonaro afirmou que se
perdem por falta de água e sabão. É um tema que o preocupa pela sua experiência
militar, vendo o drama de soldados pobres.
Mas Bolsonaro perdeu o ponto, embora água e sabão realmente
sejam importantes. Não falou do saneamento básico, cujo marco legal deveria ser
votado ainda neste semestre.
Reacendida a crise da Venezuela, tudo isso foi esquecido.
Bolsonaro disse que a decisão de intervir militarmente ali seria, em última
instância, sua.
Deve ter havido um ruído na comunicação. Ele mesmo sabe que
a última palavra é do Congresso. Até para enviar tropas ao Haiti, em missão de
paz, o Congresso foi consultado. É a lei.
Essa questão da Venezuela é muito complicada. Seria
interessante um amplo debate. Bolsonaro destinou mais R$ 240 milhões para
atender os refugiados. Creio que a esta altura já gastamos mais de meio bilhão
com o tema.
O quanto não custaria uma intervenção militar? E quem
garante sua eficácia? É grande a possibilidade de perdemos fortunas com ações
militares e, simultaneamente, gastar mais ainda com os refugiados.
Maduro precisa cair. Tem de cair. Entre essa certeza e a
prática, há uma longa reflexão tática e estratégica. Bolsonaro talvez não se
lembre da invasão da Baía dos Porcos, no tempo em que Kennedy dirigia os EUA.
O fracasso da invasão acabou consolidando o poder dos
Castro. Maduro anda mal das pernas, mas quase todas as tentativas precipitadas
de derrubá-lo acabam renovando seu fôlego.
Faz tempo que não entro na Venezuela porque certamente vão
confiscar minha câmera, prender ou expulsar. Mas creio que uma intervenção
armada encontrará vários obstáculos.
A força aérea da Venezuela tem sido equipada pelos russos.
Parte das missões militares russas pode ser até um gesto político. Mas existe
uma base material para afirmar que, apesar da penúria econômica, seriam um duro
adversário.
Milhares de venezuelanos foram armados pelo governo.
Milícias motorizadas, treinadas pelos cubanos, atuam reprimindo manifestantes.
E todo o sistema de inteligência também foi estruturado pelos castristas.
Essas condições não tornam impossível uma derrota militar
dos bolivarianos. Mas, certamente, eles podem prolongar a guerra, torná-la mais
cara não só em dinheiro, mas em vidas dos invasores estrangeiros. Estamos
preparados para segurar essa onda? Os próprios americanos que viveram tantas
experiências traumáticas topariam uma aventura desse tipo no começo de um
período eleitoral?
Essa tese de que todas as opções estão sobre a mesa pode ter
algum significado psicológico. Mas uma visão sensata do quadro afasta uma
intervenção armada. O que não significa que a sensatez não possa ser vencida.
Ainda estou para dar um balanço. Mas creio que o fator crise
da Venezuela é isoladamente o que mais atrasou o Brasil em termos externos nos
últimos anos. Não só pelo custo do fluxo de refugiados, mas pela instabilidade
e desconfiança que gera nos investidores interessados na América do Sul.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 06/05/2019
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