segunda-feira, 6 de maio de 2019

POR QUE O BRASIL PRECISA DE UMA MINISTRA MELHOR DO QUE DAMARES

Henrique Vieira, ÉPOCA
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos precisa ser compreendido e avaliado dentro do contexto do governo do qual faz parte. É nesse ponto que o trágico se expressa. Trata-se de um governo em que o presidente exalta aberta e deliberadamente a Ditadura Civil Militar que ocorreu no Brasil de 1964 a 1985 e ordena comemoração do dia de sua instalação no Brasil. Regime que torturou, matou, exilou, deixou desaparecidos e estabeleceu censura e perseguições políticas. Sobre tal fato o ministério que abarca os direitos humanos em nada se pronunciou. Esse silêncio é grave e simbólico, pois o não reconhecimento das violências do passado contribui para a reprodução das violências no presente. 
Também cabe destacar a estagnação nos Conselhos e Comitês de Direitos Humanos que estão sob a estrutura desse ministério. Trata-se de instrumentos de formulação e fiscalização de políticas públicas na área de direitos humanos, prevendo a devida participação social. Esses conselhos e comitês são importantes na elaboração de políticas para populações como mulheres, indígenas, negro(a)s e LGBTS, isto é, setores mais expostos à violência em nossa sociedade. 
Cabe ainda citar que o governo extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que simplesmente não consta na estrutura ministerial do mandato Bolsonaro. E, mais uma vez, diante deste fato de tamanha gravidade, o ministério não se pronunciou. 
Ainda é necessário registrar que o presidente se elegeu prometendo que montaria ministérios a partir de critérios técnicos. Contudo, o que se verifica no Ministério liderado por Damares, entre outros, é o aparelhamento por meio de determinados segmentos religiosos com forte aparato ideológico. Não há nenhum problema no fato de a ministra ser uma pastora — eu também sou pastor, inclusive —, mas sua perspectiva, que busca pautar o Estado e a sociedade a partir do conteúdo de sua doutrina religiosa, é inaceitável. Além de considerar sua crença uma verdade absoluta e não se abrir ao diálogo, tal percepção é necessariamente antidemocrática e fere a laicidade do Estado. Gosto de lembrar que fé não se impõe, mas se compartilha; não se força por meio de leis, mas se experimenta por meio de um testemunho de amor. 
Esses são apenas alguns registros que apontam para uma gestão sem qualquer nível de sensibilidade humana e empatia diante do sofrimento dos mais vulneráveis. Que usa o nome de Deus como capital político, trampolim para promoção de uma moral fria, indiferente e que certamente mataria Jesus em seu próprio nome. Trata-se de uma visão fundamentalista que não respeita a diversidade, não apresenta compromisso com a democracia e impõe um projeto de poder político-religioso violento. Como falar em defesa da mulher num governo que zomba da luta por igualdade de direitos? Como falar em defesa da família num governo cuja pauta econômica empobrece e massacra ainda mais os pobres? Como falar em defesa da infância se o presidente faz pose de arma com uma criança no colo? Como falar em direitos humanos num governo cuja linha geral é de exaltação à tortura? 
Famílias precisam de moradia, salário digno, tempo livre, aposentadoria, acesso à saúde e educação! Este ministério está fadado a enterrar a verdadeira luta por cidadania, direitos humanos e proteção efetiva da vida e da dignidade humana. Sobra a palavra “Deus” nos lábios, mas falta amor no coração. Não há nenhuma defesa real das mulheres, nem das famílias ou dos direitos humanos. Lamento, resisto e em meu coração sinto que Deus nada tem a ver com isso! 
Cabe por fim afirmar que a ministra Damares vem afirmando ser vítima de ameaças de morte. Defendo que essas ameaças sejam investigadas e me oponho a qualquer forma de intimidação, coação e violência. Toda pessoa alvo de ameaça contará com meu apoio e solidariedade diante de tal situação. Posso não concordar com nenhuma palavra da ministra, mas sempre defenderei sua integridade física e emocional. Lamento que não seja essa a postura do governo do qual ela faz parte.  
Henrique Vieira é teólogo, pastor da Igreja Batista do Caminho, no Rio de Janeiro e autor do livro O amor como revolução
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