O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
precisa ser compreendido e avaliado dentro do contexto do governo do qual faz
parte. É nesse ponto que o trágico se expressa. Trata-se de um governo em que o
presidente exalta aberta e deliberadamente a Ditadura Civil Militar que ocorreu
no Brasil de 1964 a 1985 e ordena comemoração do dia de sua instalação no
Brasil. Regime que torturou, matou, exilou, deixou desaparecidos e estabeleceu
censura e perseguições políticas. Sobre tal fato o ministério que abarca os
direitos humanos em nada se pronunciou. Esse silêncio é grave e simbólico, pois
o não reconhecimento das violências do passado contribui para a reprodução das
violências no presente.
Também cabe destacar a estagnação nos Conselhos e Comitês de
Direitos Humanos que estão sob a estrutura desse ministério. Trata-se de
instrumentos de formulação e fiscalização de políticas públicas na área de
direitos humanos, prevendo a devida participação social. Esses conselhos e
comitês são importantes na elaboração de políticas para populações como
mulheres, indígenas, negro(a)s e LGBTS, isto é, setores mais expostos à
violência em nossa sociedade.
Cabe ainda citar que o governo extinguiu o Conselho Nacional
de Segurança Alimentar (Consea), que simplesmente não consta na estrutura
ministerial do mandato Bolsonaro. E, mais uma vez, diante deste fato de tamanha
gravidade, o ministério não se pronunciou.
Ainda é necessário registrar que o presidente se elegeu
prometendo que montaria ministérios a partir de critérios técnicos. Contudo, o
que se verifica no Ministério liderado por Damares, entre outros, é o
aparelhamento por meio de determinados segmentos religiosos com forte aparato
ideológico. Não há nenhum problema no fato de a ministra ser uma pastora — eu também
sou pastor, inclusive —, mas sua perspectiva, que busca pautar o Estado e a
sociedade a partir do conteúdo de sua doutrina religiosa, é inaceitável. Além
de considerar sua crença uma verdade absoluta e não se abrir ao diálogo, tal
percepção é necessariamente antidemocrática e fere a laicidade do Estado. Gosto
de lembrar que fé não se impõe, mas se compartilha; não se força por meio de
leis, mas se experimenta por meio de um testemunho de amor.
Esses são apenas alguns registros que apontam para uma
gestão sem qualquer nível de sensibilidade humana e empatia diante do
sofrimento dos mais vulneráveis. Que usa o nome de Deus como capital político,
trampolim para promoção de uma moral fria, indiferente e que certamente mataria
Jesus em seu próprio nome. Trata-se de uma visão fundamentalista que não
respeita a diversidade, não apresenta compromisso com a democracia e impõe um
projeto de poder político-religioso violento. Como falar em defesa da mulher
num governo que zomba da luta por igualdade de direitos? Como falar em defesa
da família num governo cuja pauta econômica empobrece e massacra ainda mais os
pobres? Como falar em defesa da infância se o presidente faz pose de arma com
uma criança no colo? Como falar em direitos humanos num governo cuja linha
geral é de exaltação à tortura?
Famílias precisam de moradia, salário digno, tempo livre,
aposentadoria, acesso à saúde e educação! Este ministério está fadado a
enterrar a verdadeira luta por cidadania, direitos humanos e proteção efetiva
da vida e da dignidade humana. Sobra a palavra “Deus” nos lábios, mas falta
amor no coração. Não há nenhuma defesa real das mulheres, nem das famílias ou
dos direitos humanos. Lamento, resisto e em meu coração sinto que Deus nada tem
a ver com isso!
Cabe por fim afirmar que a ministra Damares vem
afirmando ser vítima de ameaças de morte. Defendo que essas ameaças sejam
investigadas e me oponho a qualquer forma de intimidação, coação e violência.
Toda pessoa alvo de ameaça contará com meu apoio e solidariedade diante de tal
situação. Posso não concordar com nenhuma palavra da ministra, mas sempre
defenderei sua integridade física e emocional. Lamento que não seja essa a
postura do governo do qual ela faz parte.
Henrique Vieira é teólogo, pastor da Igreja Batista do
Caminho, no Rio de Janeiro e autor do livro O amor como revolução
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