Entre os tantos momentos graves vividos pelo Brasil desde
que Jair
Bolsonaro(PSL) foi eleito presidente e passou a governar como
antipresidente, este em que ele e sua família pregam abertamente um autogolpe é
possivelmente o pior. E, a depender de como for enfrentado pela sociedade,
outros piores virão. Se aqueles que ocupam as instituições brasileiras ainda
têm respeito pelos seus deveres constitucionais, é hora de resgatar o que resta
de democracia e usar a Constituição para responsabilizar o ato golpista antes
que seja tarde. Não há democracia possível se aquele que foi eleito para
governar estimula o autogolpe, incitando seguidores que falam abertamente em
fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Não há democracia possível se
aquele que foi colocado no Planalto pelo voto está disseminando panfletos pelo
seu próprio WhatsApp, em que a população
é convocada para ocupar Brasília e as cidades do país no próximo
domingo, 26 de maio. Se as instituições brasileiras, todas elas, assim como a
sociedade, apenas assistirem passivamente ao antipresidente rasgar abertamente
a Constituição, acordaremos na próxima segunda-feira em outro país. E, posso
garantir: não será um lugar bom.
Mesmo que as manifestações pelo autogolpe fracassem no
domingo, o fato de um presidente incitá-las já é um passo largo demais na
escalada autoritária. É um pode tudo que numa democracia não pode. Se puder, e
parece que está podendo, porque Bolsonaro está fazendo abertamente diante dos
olhos de todos, é porque no Brasil o que resta de democracia já não segura mais
nada. É este o autogolpe – e já está agindo como golpe, ao escancarar que pode
tudo mesmo antes de poder tudo.
A marcha do próximo domingo tem o DNA de Bolsonaro em
todas as partes de seu corpo monstruoso
Depois de incitar e panfletear aquela que está sendo chamada
de “marcha
da loucura”, Bolsonaro tentou fazer o que sempre faz. Recuou, saiu da
oposição ao próprio Governo e temporariamente voltou a ser situação. Anunciou
ter desistido de ir pessoalmente à marcha e avisou aos ministros que também não
deveriam ir. Tarde demais. A marcha tem o DNA de Bolsonaro em todas as partes
do seu corpo monstruoso. Cada ato do próximo domingo será feito em seu nome.
É preciso compreender muito bem o que Bolsonaro e o
bolsonarismo são e fazem. Apesar de se venderem como “nacionalistas” e falarem
em defesa da “nação”, seus atos mostram que estão contra a nação. E não estou
aqui esgrimando com retórica. É contra a nação porque seu golpe é feito em nome
da família, do clã. E é feito pela família, pelo clã. Ainda que nação seja um
conceito em disputa, com uma história longa, a ideia de nação se opõe
radicalmente à ideia de clã. Bolsonaro tem governado abertamente contra a
nação, pelo clã. Ele e seu clã querem expulsar do país todos aqueles que não
fazem parte do clã. Seja porque defendem propostas diferentes no campo da
política, seja porque representam ideias diferentes no campo dos costumes.
O que é o clã Bolsonaro? É primeiro sua família, depois seus
seguidores. E nisso aqueles que se sentem parte do clã, os que hoje são
chamados de “bolsominions” e eu prefiro chamar de “bolsocrentes”, deveriam
prestar bem atenção. O núcleo duro, em qualquer clã, é a família, é o sangue.
São zerodois (Carlos,
vereador que controla as redes sociais do pai), zerotrês (Eduardo, deputado
federal) e zeroum (Flávio,
senador). Nessa ordem. Não por coincidência, os garotos zerodois e zerotrês
receberão mais uma medalha do pai, a da Ordem do Mérito Naval. A informação foi
publicada no Diário Oficial desta terça-feira, 21. Menos de um mês atrás, o
antipresidente já tinha mimoseado os filhos com a Ordem Nacional de Rio Branco,
a mais alta condecoração do Itamaraty.
Tudo (o que é público) em família.
O que aconteceu com o ex-ministro Gustavo Bebianno, que se
achava parte do núcleo duro do clã até bater de frente com o segundo garoto, o
mais influente junto ao pai, deveria ter deixado os bolsocrentes mais espertos.
Ainda que os laços de sangue não signifiquem total garantia neste tipo de
organização, eles são muito mais difíceis de romper num clã do que qualquer
outro laço. Bebianno
compreendeu isso tarde demais e possivelmente vários outros ainda o
seguirão na desgraça.
Bolsonaro prega o autogolpe no
momento em que uma investigação das atividades do filho zeroum pode atingir
toda a família
De forma alguma é coincidência que Bolsonaro tente um
autogolpe no momento em que o filho zeroum é investigado por desvio de dinheiro
público, lavagem de dinheiro e organização criminosa. E no momento em que
essa investigação
pode alcançar outros familiares e também o chefe do clã. No momento em
que essa investigação, que apenas começou, pode revelar um envolvimento
criminoso com as milícias que dominam o Rio de Janeiro.
Atenção, policiais honestos, o clã Bolsonaro não é a favor
de vocês. Os Bolsonaros já demonstraram publicamente que apoiam não as
polícias, mas sim as milícias. Na lógica do clã, tornar-se policial parece ser
apenas rito de passagem para a conquista de poder e território. Em 2005, vale a
pena lembrar, o então deputado Jair Bolsonaro fez uma defesa enfática de
Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão da Polícia Militar, suspeito de
chefiar a milícia de Rio das Pedras e ser articulador do
Escritório do Crime, o maior grupo de matadores de aluguel do Rio. Bolsonaro
defendeu Adriano, hoje suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora
Marielle Franco (PSOL) e foragido, no plenário da Câmara. Quatro dias antes do
pronunciamento, Adriano tinha sido condenado por homicídio. Meses antes, havia
sido condecorado pelo filho zeroum com a medalha Tiradentes, a mais alta
honraria do estado do Rio. Bolsonaro defendeu o miliciano e chamou-o de
“brilhante oficial”.
É fundamental fazer a distinção. O autogolpe está em
andamento não porque o projeto de Bolsonaro para o país está ameaçado. E sim
porque o projeto de Bolsonaro para o seu próprio clã está ameaçado. Primeiro
pelas investigações que, se não forem barradas, possivelmente alcançarão outros
membros do clã. Como impedir então que as investigações continuem? Pelo golpe.
Botando os crentes na rua para, como eles próprios gritam nas redes sociais,
fechar o Congresso e fechar o STF, a instância máxima do judiciário.
Não há ninguém impedindo Bolsonaro de governar para o país,
além dele mesmo e de seu clã. A questão é que eles nunca quiseram governar para
o país, porque a nação não lhes interessa. O que eles sempre quiseram foi
governar para o clã e, assim, transformar o território da nação no território
do clã. Agora o clã está ameaçado porque as instituições democráticas funcionam
mal, mas ainda funcionam. Funcionam o suficiente para investigar se o filho
zeroum cometeu os crimes dos quais é suspeito e apurar quem mais está
envolvido.
Esta é a principal razão para Bolsonaro ter divulgado pelo
WhatsApp um texto
em que o autor afirma que o Brasil é “ingovernável” fora dos
“conchavos” e que teme que o governo possa “ser desidratado até a inanição”.
Num trecho, Paulo Portinho, funcionário público e candidato derrotado a
vereador pelo partido Novo, afirma: “Que poder, de fato, tem o presidente do
Brasil? Até o momento, como todas as suas ações foram ou serão questionadas no
Congresso e na justiça, apostaria que o presidente não serve para NADA, exceto
para organizar o governo no interesse das corporações. Fora isso, não governa”.
Bolsonaro divulgou o texto classificando-o como de “leitura obrigatória”. Fez
isso após as manifestações
contra os cortes na educação terem levado centenas de milhares de
pessoas para as ruas de mais de 200 cidades do Brasil, tornando-se o maior
protesto feito contra um presidente no início de mandato.
O clã Bolsonaro vai para o tudo ou nada, o que neste caso
significa arregimentar seus fiéis para uma demonstração de força no próximo
domingo, porque quer impedir uma investigação que só eles sabem até onde pode
chegar e o que vai aparecer. Como só eles sabem, agora nós também podemos
saber, pelo menos, que é muito fundo e muito grave o que os investigadores
poderão encontrar, caso não forem impedidos. Fundo e grave o suficiente para
merecer a convocação de um autogolpe com menos de cinco meses de governo
eleito.
É isso que Bolsonaro está nos dizendo sem dizer. Este é o
único ocultamento. Todo o resto é explícito, como sempre foi. Estamos
testemunhando um autogolpe bem diante dos nossos olhos e timelines. Só um
ditador pode impedir uma investigação contra si mesmo e sua família. Contra o
seu clã.
Quando escolho chamar Bolsonaro de antipresidente,
como já
expliquei em artigo anterior, é conceito. Bolsonaro é um presidente contra
a presidência, algo totalmente novo na história do país. Para governar, ele
ocupa o espaço da situação e da oposição, como apontei. Está fora e dentro, ao
mesmo tempo. Isso é método, não incompetência. A incompetência está em outro
lugar. É importante compreender que Bolsonaro não é um presidente, mas sim um
chefe de clã na presidência.
Quem comparecer à convocação do antipresidente no domingo
estará fazendo aquele tipo de escolha que pode definir uma vida. Estará
escolhendo o clã – e não a nação. E aí pode começar a rezar para saber quanto
tempo durará dentro da paliçada, sem nenhuma lei que não seja a do chefe, antes
de se indispor com a família de sangue e ser jogado para fora numa piscada.
Setores da extrema direita e
da direita que apoiaram Bolsonaro já entenderam a dinâmica. É o caso de
articuladores dos movimentos de rua que levaram ao impeachment de Dilma
Rousseff , como o MBL. O deputado federal Kim
Kataguiriexplicou claramente – em live, tuítes, posts e entrevistas – por
que o Movimento
Brasil Livre não apoiaria nem estaria na manifestação: “Fechar o
Congresso e o STF é coisa de revolucionário. Quem é liberal e conservador
defende a separação dos Poderes, e não o fechamento dos Poderes”. Outro
protagonista das manifestações pelo impeachment, o Vem Para a Rua,
também se posicionou: “Sendo um ato pró-governo, não vamos aderir, porque vai
contra um dos nossos pilares, que é ser um movimento suprapartidário”.
“Se as ruas estiverem vazias (no
domingo), Bolsonaro terá de parar de fazer drama para TRABALHAR”, diz Janaina
Paschoal
Personagens centrais do impeachment, como a deputada
estadual pelo PSL, Janaina
Paschoal, têm feito oposição enfática à convocação do próximo domingo.
“Estão causando um terrorismo onde não há! As pessoas estão apavoradas,
escrevendo que nosso presidente está correndo risco. Ele não é amado pela
esquerda, pelos formadores de opinião? É verdade. Mas quem o está colocando em
risco é ele, os filhos dele e alguns assessores que o cercam. Acordem! Dia 26,
se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer
drama para TRABALHAR!”, defendeu Paschoal numa série de tuítes. “Essas
manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para governar nas
regras democráticas. (…) Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas
precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder
convocar manifestações! Raciocinem!”.
Muitos dos que apoiaram a candidatura de Bolsonaro por serem
contra o PT ou por quererem emplacar seu próprio projeto de extrema direita ou
direita no poder já perceberam a dinâmica da família Bolsonaro, apelidada nas
redes sociais de “familícia”. O que o domingo mostrará é quantos crentes o clã
Bolsonaro conseguirá mover na tentativa de barrar as investigações do filho
zeroum.
A tentativa de autogolpe de Bolsonaro tem sido comparada a
do então presidente Jânio Quadros, em 1961. Que deu bem errado, como sabemos.
Para ele, não necessariamente para o projeto de outros golpistas, como os anos
seguintes mostraram. Mas, se há algumas semelhanças com a tentativa de Jânio
Quadros, há um número muito maior de diferenças. Entre elas, a forma de
operação da política do Brasil contemporâneo.
Quando me refiro a bolsocrentes, não estou tentando fazer graça.
Também é conceito. Em 2016, escrevi um artigo intitulado: “Na
política, mesmo os crentes precisam ser ateus”. Meu principal argumento
nesse texto é o de que a antipolítica demanda uma adesão pela crença, e não
pela razão. Essa operação beneficia o bolsonarismo, mas o precede. E poderá ser
mais longeva do que ele, a depender dos próximos capítulos.
Quando me refiro a crentes, não estou me referindo apenas a
fiéis religiosos evangélicos, que majoritariamente deram seu voto a Bolsonaro.
Mas a algo mais amplo, que é a adesão a um projeto político pela fé. Basta
acompanhar as discussões nas redes sociais para perceber que há muitos ateus
que se comportam como crentes na política.
Pela razão, Bolsonaro não consegue incitar uma manifestação
para promover seu autogolpe. Por isso ele demanda fé. Pela razão é fácil
perceber que quem mais causa problemas ao Governo é o seu clã. Pela razão é
fácil conferir que Bolsonaro, que tanto critica os partidos e a política
tradicional, acabou de anistiar 70 milhões de reais da dívida dos partidos, num
momento crítico para o país. Pela razão é evidente que as dificuldades dos
primeiros meses decorrem da incompetência de Bolsonaro. Pela razão, portanto,
não dá.
Por isso Janaina Paschoal, insuspeita de ser de “esquerda”,
tem clamado nas redes sociais: “Raciocinem! Reflitam!”. Mas como, se ela mesma
exigiu tanta fé dos eleitores para votar num homem que
se manifestava claramente contra os valores humanitários mais básicos e
contra a própria democracia? Ela também invoca a fé de seus eleitores para que
acreditem que só agora ela percebeu o que Bolsonaro queria ser – e dizia que
seria.
A adesão à política pela crença –
e não pela razão – é a marca deste momento histórico no Brasil e no mundo
A adesão à política pela crença é uma marca deste momento
histórico no Brasil, e também no mundo. E, como não custa repetir, ela atinge
fiéis de todas as religiões e também de religião nenhuma. E, como também não
custa repetir, precede e pode ser mais persistente do que o próprio
bolsonarismo. A adesão à política pela fé é um modo de operação que marca a
antipolítica.
Por outro lado, também é preciso dizer que o crescimento do
fundamentalismo evangélico no Brasil, representado pelas igrejas
neopentecostais, se articula com esse modo de operação. Já desenvolvi essa
ideia no artigo chamado “Bolsonaro
e a autoverdade”. É possível que o Brasil esteja sendo mais impactado pela
religiozisação da política do que pela politização da justiça.
A retórica bíblica do bem contra o mal atravessa fenômenos
como o bolsonarismo. Quando me refiro a essa palavra feia, “religiozisação” da
política, chamo a atenção para a adesão à política pela fé. Esse fenômeno vai
muito além dos fiéis evangélicos, mas é influenciado pelas empresas da fé e
seus CEOs que se autointitulam pastores e bispos.
Mais de uma geração de brasileiros já foi formada numa interpretação
tosca da Bíblia, na luta do bem contra o mal. Mais de uma geração já foi e está
sendo educada na visão maniqueísta do mundo. Produtos
de entretenimento como as novelas e os filmes supostamente bíblicos de
uma rede de TV como a Record, colaboram para formatar um determinado olhar
sobre a dinâmica da vida, criando um terreno fértil para arregimentar fiéis
para um projeto político, ao deslocar a fé para um campo que não é o da fé, mas
se torna.
O grupo de comunicação Record é o melhor exemplo, ao ser ao
mesmo tempo o braço de difusão da ideologia do projeto empresarial-religioso
aplicado à política e a TV oficial, ainda que não formal, do bolsonarismo. Ou
uma delas, já que Bolsonaro quer o apoio, mas não a sombra do bispo Edir Macedo.
Ele sabe que em algum momento os clãs chegarão a um impasse. Não custa ainda
lembrar que nada mais Velho Testamento do que um clã.
Bolsonaro divulga vídeo em que
pastor afirma que, se o povo não sustentar o “escolhido por Deus”, “a queda do
Brasil será terrível”
Depois de divulgar um texto que mencionava um Brasil
“ingovernável”, Bolsonaro mostrou que entende muito bem a dinâmica da
religiozisação da política. Postou em seu Facebook o vídeo de um pastor
congolês que fundou uma igreja evangélica na França. Steve Kunda começa
dizendo: “Eu não faço política, eu sou pastor”. E então desanda a fazer
política em prol de Bolsonaro, mas com retórica bíblica. “Na história da
Bíblia, há políticos que foram estabelecidos por Deus”, diz. Afirma então que,
assim como Deus escolheu Ciro como rei da Pérsia, “Deus escolheu Jair
Bolsonaro”.
Segundo o pastor, ele teria recebido essa informação do
próprio Altíssimo. “Gostando ou não, sendo de esquerda ou de direita, Deus
escolheu Jair Bolsonaro como o Ciro do Brasil”. E segue: “Juntem suas forças!
Sustentem esse homem (…) Ele é muito oprimido, Deus falou que seus primeiros
dois anos não vão ser fáceis, mas a mão de Deus está com ele”. Caso o povo não
apoie Bolsonaro, o pastor garante, “a ruína chegará ao Brasil”: “Se o Brasil não
assegurar esse tempo, a queda do Brasil será terrível… E eu falo como profeta”.
Antes que os bolsocrentes me acusem de “comunista”, me
limito a reproduzir a reação da deputada Janaina Paschoal, do mesmo partido de
Bolsonaro, no WhatsApp: “E esse vídeo maluco de Messias? O que ele quer com
isso?”.
A resposta parece bastante clara até mesmo para apoiadores
arrependidos.
No próximo domingo veremos o quanto essa operação tem força.
E o quanto a realidade se impõe. A razão não está em alta numa população que
está sendo educada no maniqueísmo religioso. Mas a realidade é irredutível à
falsificação. Pode demorar mais ou pode demorar menos, mas ela se impõe. E
a realidade
é desemprego crescente e a economia se aproximando da recessão. Até o
neoliberal Paulo Guedes, ministro que recentemente afirmou nos Estados Unidos
que o Brasil está disposto a “vender tudo, até o palácio presidencial”, já
anunciou que a economia está “no fundo do poço”. A sobrevivência é um impulso
atávico que precede até mesmo a fé. Será difícil a população absolver o
presidente da responsabilidade pelo seu mal-estar cotidiano.
Não é a surpreendente oposição de direita, não é a esquerda
ou o “comunismo” e muito menos qualquer “conspiração” que podem esvaziar o
autogolpe de Bolsonaro. Depois de quase cinco meses de Governo, a sua disputa
agora é com a realidade. Não fosse o destino da nação em jogo, seria
interessante observar o quanto a adesão pela fé ainda é potente – ou não –
contra a corrosão dos dias. Mas, mesmo que o autogolpe fracasse, o que só
saberemos no próximo domingo, o fato de Bolsonaro poder planejá-lo, articulá-lo,
propagandeá-lo livre e abertamente de sua cadeira no Planalto já condena o
Brasil talvez de forma irreversível.
Bolsonaro começou sua campanha presidencial em 17 de abril
de 2016, naquele momento terrível em que votou pelo impeachment de Dilma
Rousseff homenageando o torturador
Carlos Alberto Brilhante Ustra. Violou a lei e não foi responsabilizado. Ao
contrário, continuou propagando a homofobia, o racismo e o ódio, assim como
defendendo a ditadura, a tortura e o assassinato de opositores. E seguiu sem
ser responsabilizado. Tornou-se presidente do Brasil. E, neste momento, incita
a população para um autogolpe. Em nome do clã, contra a nação. Se, mais uma
vez, não for responsabilizado, o último limite pode cair. E então descobriremos
como é viver sem qualquer limite.
*Eliane Brum é escritora, repórter e
documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes – o
Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus
Desacontecimentos, e do romance Uma Duas.
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