A gritaria ultrajante do bolsonarismo e as crises de governo
criadas pelo próprio governo produzem queimadas e fumaças políticas que
obscurecem acontecimentos da selva brasileira. Os casos da Amazônia, do teto de
gastos e da CPMF são sintomáticos. Mas, desde a aprovação da reforma da
Previdência, faz dois meses, há certa ordem notável sob o tumulto que é o
Brasil sob Jair Bolsonaro. Por exemplo:
1) quase no mesmo instante da votação favorável da
Previdência, Bolsonaro passou a radicalizar no ultraje, no mandonismo, na
aproximação com os neopentecostais, no elogio da ditadura e deixou ainda mais
claro que está em campanha eleitoral;
2) parte pequena da elite econômica, de resto quase toda
acomodatícia e tolerante das barbaridades, passou a insinuar que o presidente é
um risco também para a economia. O projeto da “centro-direita” para 2022
reapareceu. Ainda assim, a maioria se cala, por colaboracionismo, gosto,
cinismo ou interesse cru. Bolsonaro ainda seria preço razoável a pagar por
“reformas”;
3) mas as reformas são tocadas pelo Congresso. Ainda resiste
o parlamentarismo branco, acerto definido em março por Rodrigo Maia e o miolão
do Parlamento. Na economia, o governo quase se limita a conter gastos, a animar
a torcida e a prometer planos para “breve”. No mais, o governo se dá tiros no
pé (teto, CPMF), até porque a administração econômica e social do país
desinteressa a Bolsonaro;
4) o Congresso parece quieto, mas continua a aprovar
mudanças enormes. Por exemplo, revisou a velha Lei Geral de Telecomunicacões
(de 1997). Desregulamentou um tanto do setor e, além de melhorias para o
público e doutros benefícios privados, ajudou empresas a evitar falência ou a se
associar ao capital externo. Outras mudanças virão (a seguir, o setor
elétrico). Em outubro, começa para valer o debate da reforma tributária;
5) vexames como o sururu da CPMF, além do “parlamentarismo
branco”, fazem com que o governo continue sem protagonismo na economia, como na
reforma tributária; são prejudicados grandes projetos do Ministério da Economia
(capitalização, alívio tributário para em- presas, CPMF, desmonte da lei
trabalhista);
6) agosto foi o mês de implementação de um grande programa
bolsonarista, um programa de família. Como se sabe, Bolsonaro tenta proteger
Flávio da polícia e nomear Eduardo para a embaixada. Para tanto, Bolsonaro
tenta ou consegue intervir no Coaf, na Polícia Federal, na Receita e na
Procuradoria-Geral, por exemplo;
7) essas intervenções de Bolsonaro são na prática toleradas
na cúpula político-judicial. Esse o verdadeiro pacto entre os Poderes ou entre
alguns de seus líderes (e não aquela conversa fiada de Dias Toffoli e
Bolsonaro, de fins de maio). Em nome do programa de família e do acordão,
Bolsolnaro se arrisca a perder apoio entre sua milícia virtual e entre os pares
da extrema direita;
8) o objetivo do acordão tácito é limitar a força das
instituições de controle e polícia (PF, Receita, PGR etc.) e contra-atacar o
Partido da Lava Jato. Abafa-se a CPI da Lava Toga (dos juízes e Supremo), com a
ajuda de Flávio 01; aprova-se a lei de abuso de autoridade, com veto para
inglês ver de Bolsonaro, que também não chia contra os dinheiros e facilidades
que o Congresso deu aos políticos para a eleição de 2020, mas não apenas.
Não é uma conspiração, claro. Mas os grandes blocos de pedra
do poder vão se encaixando no terremoto constante.


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