Jair Bolsonaro diz que irá a Nova York para fazer o discurso
de abertura da Assembleia Geral da ONU nem que seja de maca ou de cadeira de
rodas. Mais do que encarar o compromisso como um desafio físico, algo já
delicado diante de sua recuperação de mais uma cirurgia na região do abdome, o
presidente deveria ter em mente a importância simbólica da ocasião, e se preparar
tecnicamente para ela, caso resolva mesmo ir a qualquer custo.
Bolsonaro chegará à ONU com os olhos do mundo voltados para
o Brasil. E as razões para isso são, principalmente, decisões, ações, falas e
comportamentos do presidente brasileiro e de expoentes de seu governo. O centro
da geleia geral externa produzida pelo bolsonarismo nos últimos meses é a
questão ambiental.
Foram as reações dele e de seus ministros ao aumento do
desmatamento e das queimadas que chamaram a atenção de chefes de Estado, organismos
internacionais e da sociedade global para a mistura tóxica de retórica
ideológica nonsense, desprezo a dados e à ciência e a contraposição entre
preservação ambiental e defesa de um desenvolvimento econômico extrativista da
sua gestão.
Diante da fumaça composta de desaforos infantis e misóginos
de Bolsonaro a outros governantes e da ausência de dados que desmintam o
descontrole no aumento do desmate, a posição dos países desenvolvidos hoje em
relação ao Brasil oscila entre o ceticismo, a ironia e o deboche puro e
simples.
Foi emblemática a participação do chanceler Ernesto Araújo,
um dos expoentes mais destacados da ala ideológica do governo, em evento na
semana passada na Heritage Foundation, um centro de estudos conservador
localizado em Washington. A mistura de negacionismo climático, crítica ao
marxismo, críticas randômicas a pensadores de vertentes e épocas distintas e
vitimismo de quem deveria governar deixou estupefatos representantes da direita
norte-americana, a qual a prima brasileira tenta mimetizar, mas da qual só
consegue ser uma versão-paródia.
Araújo disse que a esquerda usou a defesa da justiça social
para legitimar ditaduras ao redor do mundo, e, num salto extraordinário,
afirmou que se caminha para fazer o mesmo com a questão climática.
No Twitter, o analista de política externa do The Washington
Post Ishaan Tharoor expôs sem misericórdia o ridículo da situação. “Este é um
fascinante discurso ideológico de um ministro das Relações Exteriores no
exterior (e um tanto incoerente). Nossa civilização está perdendo seus
símbolos, diz ele”, narrou o jornalista norte-americano, parecendo se divertir
com o exotismo do palestrante.
Ele ainda anotou, com razão, que esse arremedo de doutrina
nada tem a ver com o conservadorismo norte-americano, ou com o que a direita
dos Estados Unidos promove como política de Estado. Ou seja: ao beber em fontes
como Olavo de Carvalho e Steve Bannon – dupla com a qual Araújo se encontrou na
mesma viagem –, a política externa de Bolsonaro se afasta da doutrina, da tradição
e do acúmulo pragmático da diplomacia brasileira, para erigir em seu lugar um
edifício que não para em pé nem aos olhos de seu parceiro preferencial.
Se for esta a base para o discurso de Bolsonaro na ONU é
desnecessário dizer que o resultado será um vexame internacional sem
precedentes – e olha que Dilma Rousseff já discursou neste mesmo fórum. É
urgente que entrem em cena os técnicos do Itamaraty e dos Ministérios da
Economia e da Agricultura para produzir uma peça que, sem delírios grandiosos e
ideologia rastaquera, tente desfazer a impressão de que o Brasil trata com
descaso a questão ambiental e promove retrocessos na nossa exitosa
transformação do agronegócio num exemplo de eficiência.


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