A avenida foi a mesma. Em abril de 1984 ali aconteceu o
grande comício das Diretas. Noticiou-se que a multidão passava do milhão de
pessoas. Nem chegava a isso, mas deixa pra lá. A festa durou cerca de sete
horas, sem um só incidente. No último domingo (24), mais de 1 milhão de
cariocas festejaram o Flamengo. A festa terminou com uma pancadaria e 23
feridos nas proximidades do monumento ao Zumbi dos Palmares.
Não se sabe como começou a confusão, mas é elementar que a
Polícia Militar não precisava ameaçar o povo com fuzis ou apontando-lhe
revólveres. A primeira bomba de gás contra uma multidão parada pode ter sido um
exagero. As demais, truculência, sobretudo sabendo-se que na festa havia crianças.
O veículo da Guarda Municipal também não precisava dar
marcha a ré em alta velocidade numa pista livre. Acabou atropelando um guarda.
Assim como Gabigol fez a alegria dos brasileiros com dois gols em três minutos
num final de jogo, a PM do Rio manchou a celebração no fim da festa.
O medo faz mal à alma. O povo não deve ter medo da polícia,
nem a polícia deve ter medo do povo. Em 2013, quando o papa Francisco chegou ao
Rio, estava protegido por um dispositivo teatral, com soldados e até cães
farejadores.
Na Presidente Vargas o carro do papa ficou preso no trânsito
e centenas de pessoas cercaram-no, assustando muita gente que via a cena pela
televisão. Só Francisco não se assustou e manteve o vidro aberto. Os agentes da
Polícia Federal que escoltavam o veículo a pé mantiveram a calma, sem agredir
ninguém. Também não se assustaram as pessoas que queriam vê-lo, pois não é todo
dia que há um papa na Presidente Vargas.
O Rio é governado por um bufão que estimula a violência
policial na construção de sua própria teatralidade. No gramado do estádio de
Lima, ajoelhou-se diante de Gabigol, recebendo um olhar seco, digno dos
melhores monarcas da casa de Windsor.
No dia seguinte à pancadaria do fim da festa do Flamengo, o
repórter Rafael Soares revelou o áudio de um PM que revelou sua contrariedade
diante de um episódio no qual um sargento matou a tiros dois jovens que estavam
numa motocicleta.
O caso aconteceu em 2015, soldados da patrulha haviam dito
ao sargento para não atirar, mas “ele estava trabalhando com ódio, ficava
falando que ia matar, matar”. O sargento matou porque achou que a furadeira
carregada por um dos jovens era uma arma.
Já houve casos em que um cidadão foi morto porque carregava
um guarda-chuva e outro, uma esquadria de alumínio. O PM que matou o homem do
guarda-chuva foi absolvido e o outro caso ainda está sendo investigado. O
sargento que ficava falando em matar ainda não foi julgado.
Na tarde de domingo, depois da confusão da Presidente
Vargas, uma mulher se referiu aos PMs como “esses milicianos”. É verdade que o
pessoal das milícias está em alta, mas nenhuma cidade terá segurança se a sua
polícia se comportar de forma a permitir tamanha confusão.
A PM é uma corporação militar que deve trabalhar com normas
profissionais e, sobretudo, de forma disciplinada, cumprindo protocolos. O que
aconteceu na Presidente Vargas não seguiu protocolo algum. Quanto à disciplina,
quem sabe?
Em março do ano passado, durante a intervenção federal na
segurança do Rio, um general foi inspecionar o quartel do 18º Batalhão da PM e
viu-se diante de uma tropa formada por 20 homens.
À voz do comando, alguns deles não lhe deram continência.
Foi preciso que o coronel repetisse: “Todo mundo”. Só então foi obedecido.
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