O governo enviou, recentemente, três propostas de emendas
constitucionais visando reorganizar as finanças públicas e recuperar os
princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foram sendo abandonados pelo
caminho com aval dos Tribunais de Contas dos Estados, e mesmo do STF.
As emendas são bastante complexas, mas mesmo que
apresentadas em separado, elas estão conectadas. A lógica do processo não é de
fácil entendimento, ficando circunscrita aos especialistas em contas públicas.
Para ganhar apoio da sociedade, é fundamental que fique clara a importância de
cada uma das medidas propostas, como se articulam, qual o objetivo final e por
que o saldo das mudanças é positivo, ainda que imponha perdas para alguns
grupos. Foi assim que a reforma da Previdência conseguiu ser aprovada este ano,
após dois anos de debates, campanhas de esclarecimento e negociação política.
Complementando essas três PECs, o governo anunciou outra
para a simplificação tributária, que deve ocorrer em etapas, ao longo de 2020.
A prometida reforma administrativa subiu no telhado, deve ser desidratada, mas
não foi ainda abandonada. Tudo isso aprovado, no conjunto, começa a dar um novo
desenho ao Estado brasileiro. Mas refundar o Estado ainda vai exigir muitas
outras medidas e mais radicais, lembrando que a privatização continua muito
tímida. Que o governo não pare por aqui.
Temos uma carga tributária elevada, empresas estatais que
não se justificam, número excessivo de funcionários públicos, baixa
produtividade e serviços públicos de péssima qualidade. Não deveria, portanto,
haver dúvidas sobre a importância das medidas. Mas em uma sociedade
patrimonial, acostumada a depender do Estado para tudo, o programa proposto é
mais que um pacote econômico, é um choque cultural. Começa agora a fase mais difícil
dos trabalhos, que é o convencimento da sociedade e de seus representantes no
Legislativo. Ela envolve todo o governo, não só a equipe econômica.
A ausência de uma boa estratégia de comunicação pode ser
fatal. Os exemplos da inabilidade deste governo nesse quesito são muitos e, por
isso, não surpreende o número de iniciativas de Bolsonaro derrubadas pelo
Congresso. Essas PECs são importantes demais para que deslizes na comunicação
coloquem tudo a perder. Não são vendetas pessoais, nem fazem parte de uma
guerra ideológica.
Fora o contexto geral de grande complexidade, há detalhes em
cada uma das emendas que vieram à tona conforme as propostas foram sendo
destrinchadas. E neles mora o diabo. Duas propostas causaram reação imediata: o
fim dos municípios sem autonomia financeira e a desobrigação do governo em
construir escolas públicas em locais carentes de vagas, utilizando bolsas para
inscrição em escolas privadas, os vouchers.
A ideia de reduzir número de municípios pode ser boa, se o
objetivo é a redução de gastos públicos. Mas não estão claros os critérios, nem
como será feita a transição. Os habitantes de lugares isolados reagiram
imediatamente. Temem o esquecimento. Lembrando que esse assunto será votado em
plenas eleições municipais, tornando o desafio da comunicação ainda maior.
A questão das escolas públicas é bem mais complicada. Nem
mesmo entre os especialistas há consenso sobre a ideia dos vouchers. O ideal é
fazer um experimento estatisticamente controlado antes de partir para uma
mudança constitucional. E se o governo acha a ideia tão boa, com base no fato
de o custo por aluno em escolas privadas ser menor, não deveria limitá-la a
locais com carência em vagas nas escolas públicas. Não deveria haver
restrições. Educação é um tema que exige bem mais reflexão.
A objetividade e simplicidade de uma PEC ajuda imensamente
na sua compreensão. Esses jabutis colocados pelo próprio governo em nada
contribuem para sua aprovação. Dizem que são bodes na sala, não me parece o
caso. E podem contaminar a apreciação de todo o resto.
A coerência também é fundamental para a persuasão. A ideia
de submeter os Tribunais de Conta Estaduais ao TCU vai na contramão do
compromisso “Mais Brasil, menos Brasília”. E ainda deve sofrer questionamento
sobre sua constitucionalidade. Da mesma forma, a política de desoneração para
estimular o 1.º emprego é contraditória, com a redução de subsídios e
incentivos prevista na PEC do pacto federativo. Mas se o governo abriu exceção
para Zona Franca de Manaus, por que não para o jovem desempregado? E por que deixar
o idoso de fora? Conter outras demandas será mais uma árdua tarefa política.
Vem sendo exibido em escolas e centros acadêmicos um
documentário sobre os 25 anos do real, produzido pelo Livres. Talvez a melhor
lição que se tira das entrevistas com os autores do plano é a importância da
boa comunicação. Esclarecer, dialogar e convencer foi o segredo. Quem não se
comunica, se estrumbica.
*Economista e advogada
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