Zero. É apenas um cisco de vergonha, não uma quantidade, que
se encosta na verdade para estabelecer em 0,1% o crescimento econômico da
América Latina neste ano, na mais recente estimativa da Cepal —a instituição
mantida pela Organização das Nações Unidas para estudo da economia regional.
Zero de crescimento e, no entanto, excetuada a Venezuela, as
classes altas não estiveram queixosas em nenhum país desta geografia do
desemprego, das favelas, de vida com R$ 4,50 por dia, de morte pela falta de
saneamento e violência sem limite. Da desigualdade e da injustiça como
princípios básicos de cada país.
Não é preciso lembrar por que as classes altas não estiveram
nem estão queixosas dessas políticas econômicas nacionais.
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não faltam com a já esperada
contribuição ao divisionismo. O estudo da Cepal coincide com as atuais
previsões daqui mesmo sobre o crescimento brasileiro neste ano.
Da campanha até à posse, os dois falavam em crescimento de
3%, e mesmo de 3,5% neste ano. O previsto está em 0,8%. A caminho da adesão às
17 economias, entre as 20 da região, já comprometidas com o ano de
desaceleração. Mas as nossas classes altas não emitiram, até agora, nem a mais
sussurrante insatisfação com algo do governo Bolsonaro. Bem ao contrário.
Os casos do Chile e da Bolívia são resumos perfeitos da
América Latina. O Chile convulsionado seguia para crescer no ano quase 2%. Mas,
fora as classes altas, os chilenos estão nas ruas, manifestando-se ou
combatendo, por redução das usurpações e das opressões econômicas a que são
submetidos.
Diz o noticiário que já são “mais de 25 mortos e mais de 200
com lesões nos olhos”. E, inerte, o que o governo Sebastián Piñera —um dos mais
opulentos empresários do país— tem afinal a propor, “para a pacificação”, é um
plebiscito em abril, daqui a cinco meses, sobre o tipo de Constituinte. É claro
que pensa no esmorecimento da rebelião, para voltar ao que Paulo Guedes definiu
como “paraíso chileno”. Explosivo, porém.
Recordista de golpes, país mais pobre do grupo latino-americano,
embora seu território riquíssimo, a Bolívia enfim experimentou com Evo Morales
quase 15 anos de estabilidade. Nesse período, o crescimento econômico, sem
precedente, foi de 5% ao ano.
A pobreza, da ordem de 60% da população na posse de Morales,
foi reduzida a quase 30%. As medidas de inclusão dos indígenas não se fizeram à
custa dos abastados históricos, que não tiveram queixas econômicas.
O caudilhismo de que a direita brasileira acusa Evo Morales,
por pretender o quarto mandato, não encontra justificativa no estilo que
praticou, como o de seu decisivo companheiro de governo, o cientista e vice
Álvaro García Linera.
A situação degenerou com os estímulos oposicionistas à
rebelião de policiais, em resposta a decisões de governo contra a escandalosa
corrupção da polícia. A campanha contrária à candidatura e logo à eleição da
dupla prosperou com facilidade.
Mas o que precipitou a intervenção do comando militar na
crise foi o chamado de Morales a uma nova eleição. Proposta que resolvia as
acusações de fraude e dava outra oportunidade à oposição. Recusá-la seria
desmoralizante. Aceitá-la? E se Morales ganhasse outra vez?
Melhor ativar os generais do que responder à proposta. Antes
de acabar a semana, “mais de dez mortos”, centenas de feridos, convulsão instalada
e uma falsa presidente apoiada pelo governo Bolsonaro, como o falso presidente
venezuelano Juan Guaidó (Bolsonaro é adepto de falsas presidências).
Há, contudo, a inclusão da América Latina no recurso à
violência urbana em progressão. Como na França dos coletes amarelos, na Espanha
dos separatistas, no Equador do já derrotado Lenín Moreno, no “paraíso
chileno”, na prosperidade interrompida da Bolívia, nos bravos de Hong Kong:
quem padece as políticas elitistas transfigura-se em arma de combate, e combate.
É parte da fase global de transformações, à qual o Brasil, até agora, não
fugiu.
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