A invisibilidade social é objeto de diversos estudos
acadêmicos. Há profissões que têm utilidade no cotidiano, mas são consideradas
subalternas, como lixeiros e coveiros, que tornam invisíveis quem as exerce.
Um caso clássico desse preconceito aconteceu com o âncora
Boris Casoy que, ao ver uma mensagem de fim de ano de dois lixeiros, comentou
na Bandeirantes, sem saber que o microfone estava aberto: “Que merda, dois
lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras. O mais baixo da
escala de trabalho”. Casoy pediu desculpas ao saber que o áudio havia vazado,
mas o estrago estava feito.
Outras profissões, como porteiro, motorista, secretária,
garçom, empregada doméstica, fazem parte do dia a dia das famílias e empresas e
frequentemente ouvem e vêem coisas que não deveriam ouvir nem ver, mas de tão
invisíveis, dão liberdade às pessoas para falarem o que não pode ser ouvido em
público. O embaixador Marcos Azambuja, com sua ironia cortante, diz que não há
nada mais perigoso do que secretária.
Os personagens invisíveis estão em torno de nós e são temas
de trabalhos acadêmicos, filmes e livros. Professores já experimentaram
trabalhar de garis e constaram essa invisibilidade social, fruto de preconceito
e desprezo.
“A Vida Invisível de Euridice Gusmão”, filme de Karim Ainouz
que representa o Brasil na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro, trata
de outra tipo de invisibilidade, das pessoas que não podem ter sonhos,
esmagadas pela realidade.
Esses são também os personagens do poeta gaúcho da Academia
Brasileira de Letras Carlos Nejar, que acaba de publicar o livro “Os invisíveis
(Tragédias brasileiras)”, que trata dos flagelados de Brumadinho, dos
desalojados pelo desastre do Rio Doce em Mariana, dos índios, do incêndio do
Museu Nacional. Nejar, com razão, identifica o livro com “o terrível Brasil
contemporâneo”.
A vida política não poderia estar imune a essa
invisibilidade, dando proeminência ocasional a porteiros, caseiros,
secretárias, motoristas. O mais recente invisível a se tornar visível devido a
uma crise política foi o porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde têm
casa o presidente Bolsonaro e o miliciano Ronnie Lessa, acusado de ter
assasinado a vereadora Marielle.
Ele registrou à mão no livro da portaria que, no dia do
assassinato, o ex-PM Elcio Queiroz, outro dos acusados, entrou no Condomínio
dizendo estar indo para a casa 58, residência da família Bolsonaro. No relato
ao Ministério Público do Rio, o porteiro disse que ligou para a casa 58 e o
“doutor Jair” autorizou a entrada.
Depois, ao ver no monitor que ele se dirigia à casa de
Ronnie Lessa, avisou pelo interfone a mudança de trajeto, e a pessoa, que ele
identificou mais uma vez como sendo o “doutor Jair”, disse que sabia para onde
ia o visitante.
Como o então deputado Jair Bolsonaro estava em Brasília
naquele dia, ficou constatado que o porteiro mentiu, segundo a investigação. Há
muitas interrogações ainda no ar, pois um outro porteiro apareceu na história,
falando com Lessa, que autorizou a entrada de Queiroz.
O porteiro está escondido desde o dia da revelação, pelo
Jornal Nacional, e recentemente, encontrado pela revista Veja, recusou-se a
falar sobre o caso, alegando que estava proibido. Mas tampouco renegou as
primeiras informações.
Outro invisível que fez história foi o caseiro Francenildo
Santos Costa, da República de Ribeirão, casa em que o então ministro Antonio
Palocci se reunia em Brasília com lobistas. O caseiro reconheceu o então
ministro como a pessoa que frequentava a casa e era chamado de “chefe”,
desmentido Palocci, que negava ter estado lá.
Seu sigilo bancário foi quebrado, o que adicionou um
escândalo a mais no caso, que resultou na demissão de Palocci. Francenildo, de
2006 até hoje, tenta receber na Justiça uma indenização pela quebra de sigilo.
Outra figura importante na vida política recente foi
Eriberto França, motorista da presidência da República, que denunciou o então
presidente Fernando Collor de ter suas despesas pessoais e da família pagas
pelo tesoureiro de sua campanha presidencial PC Farias, homem forte do governo.
Seu depoimento foi fundamental para o impeachment de Collor.
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