Acusado de agredir jornalistas, Bolsonaro diz que solução
é não dar mais entrevistas
BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro se
negou a responder perguntas de repórteres na manhã desta quarta-feira. Ele
disse querer falar com a imprensa, mas que como tem sido acusado de agredir os
jornalistas não iria se pronunciar. Ele se referia ao relatório
"Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil", divulgado
pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) na semana
passada. O documento apontou que casos de ataques a repórteres e veículos de
comunicação cresceram 54% no ano passado (saltaram de 135 para
208), e que Bosonaro foi responsável, sozinho, por 58% do total de
agressões — seja por seu perfil no Twitter, lives ou entrevistas.
— Eu quero falar com vocês, mas a associação nacional de
jornalistas diz que quando eu falo, eu agrido vocês. Como eu sou uma pessoa da
paz, não vou dar entrevista. Não posso agredir vocês aí. Manda tirar o processo
que eu volto a conversar — declarou o presidente na saída do Palácio da Alvorada,
ao se aproximar da área reservada à imprensa depois de cumprimentar apoiadores.
Apesar de condicionar a retomada de entrevistas à retirada
de um processo, Bolsonaro não explicou ao que se referia. A Secretaria de
Comunicação do governo informou depois que o presidente se referia ao relatório
da Fenaj. A Fenaj, por sua vez, não apresentou nenhuma ação na Justiça contra o
presidente.
Na quinta-feira passada, ao ser questionado por uma repórter
da "Folha de S.Paulo" sobre a permanência de Wajngarten na chefia da
Secom, após o jornal revelar que a empresa da qual Wajngarten tem 95% da
sociedade mantém
contratos com emissoras de televisão e agências de publicidade que atendem o
governo, Bolsonaro afirmou que o jornal "não tem moral para
perguntar" e mandou que a jornalista calasse a boca.
— Fora, Folha de S.Paulo, você não tem moral para
perguntar, não — disse Bolsonaro, que após a insistência da repórter afirmou: —
Cala a boca.
Pelo Twitter, Bolsonaro publicou o vídeo no qual dava o
recado aos repórteres presentes. "Como sou acusado de agredir a imprensa
com entrevistas, a solução é não dar mais entrevistas", escreveu.
Em seguida, o vídeo foi republicado por seu filho, o
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que voltou a mencionar um
processo. "Impressionante! Talvez o presidente que mais fale com a
imprensa, que vai de peito aberto falar com os mais variados tipos de
jornalistas sem acertar previamente as perguntas, este é exatamente o que é
processado por associação de jornalistas por, acredite, atacar a
imprensa...", publicou o parlamentar.
No domingo, o presidente já havia ironizado o levantamento
da federação de jornalistas ao compartilhar uma notícia sobre o documento em
suas redes sociais: "KKKKKKKKKKKKKKK. HAHAHAHAHAHAHA.
KKKKKKKKKKKKKKK."
Ao GLOBO, a presidente da Fenaj, Maria José Braga, reforçou
que a entidade não ingressou com nenhuma medida legal contra o presidente e
criticou suas declarações nesta quarta:
— A primeira coisa é que cabe a qualquer servidor público, e
principalmente às autoridades públicas, cumprir o princípio da transparência e
da publicidade. É um dever informar à sociedade os atos de governo. Não pode, a
pretexto de intimidar uma entidade sindical, se recusar a dar entrevistas —
declarou.
Segundo ela, o que a Fenaj denunciou foi que Bolsonaro usa
suas manifestações como pretexto para um ataque sistemático a veículos e
profissionais de imprensa e, portanto, à liberdade de imprensa.
No documento, 114 casos são de tentativas de
descredibilização da mídia, que são a maioria dos ataques à liberdade de
imprensa no Brasil. Essa categoria não constou dos relatórios anteriores e foi
criada, segundo a Fenaj, em razão da institucionalização das críticas, como,
por exemplo, as feitas por meio dos canais oficiais da Presidência da República.
Para Maria José, o presidente age estrategicamente para que
seus apoiadores se coloquem contra o trabalho da imprensa e para que a
população não busque se informar pelo noticiário. A dirigente da Fenaj afirmou
ainda que está estudando quais as medidas a entidade pode tomar para proteger
os profissionais.
— Não é fácil processar um presidente da República,
mas o que nós queremos é que cessem as agressões aos jornalistas. Se a nossa
assessoria jurídica recomendar, a gente pode, sim, tomar essa medida legal
— concluiu.
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