O IBAMA NÃO CONSEGUE ACHAR AMADO BATISTA PARA COBRAR
MULTAS, MAS SITE DO CANTOR TEM 17 SHOWS ANUNCIADOS
NO DIA 7 DE FEVEREIRO, uma sexta-feira, o cantor
goiano Amado Batista se apresentou no Carranca Grande Hotel, em Xique-Xique,
município da Bahia, às margens do Rio São Francisco. No dia seguinte, ele fez
mais um show no interior baiano, no Espaço Las Roças Club, em Filadélfia.
Representantes dos dois espaços confirmaram as apresentações, mas não deram
detalhes de lotação e valor dos ingressos. Ambos constavam na agenda de
Batista, divulgada em sua página oficial. Semana que vem, aliás, tem show em
São Paulo. Mas, mesmo com a agenda pública deixando clara a localização do
cantor semana a semana, o Ibama e a Justiça do Mato Grosso não conseguem
citá-lo nos processos judiciais e administrativos que responde por desmatamento
ilegal.
Amado Rodrigues Batista está entre as pouco mais de 4.600
pessoas físicas e jurídicas que receberam multas milionárias por desmatamento
do Ibama nos últimos 25 anos. Único cantor conhecido a fazer parte da lista de
autuações milionárias por devastação, Batista guarda algumas semelhanças com
outros mega multados pelo Ibama. A mais notável é a dificuldade de ser citado
para responder pelas infrações: centenas deles só foram notificados por
editais, publicados no Diário Oficial, depois de vencidas as outras formas de
comunicá-los sobre os procedimentos e prazos de defesa. Com o julgamento à
revelia, quando o réu não está presente, eles ganham tempo em busca de uma
prescrição e criam argumentos para adiar alguma decisão da justiça ou recorrer
dela. Não por acaso, apenas 3,3% das multas ambientais foram pagas desde 1980.
Amado Batista recebeu uma multa de R$ 1,24 milhão por
desmatamento em sua fazenda em Cocalinho, na divisa do Mato Grosso com Goiás, em 2014. O
município, na região do rio Araguaia, tem um dos maiores índices de
desmatamento no estado, diretamente relacionado à pecuária.
A Fazenda Sol Vermelho, dedicada à engorda de bezerros, já
havia sido alvo de uma ação criminal da Promotoria do Meio Ambiente do
Ministério Público do Mato Grosso por “grave dano ambiental provocado nas áreas
de preservação permanente e de reserva legal”. Segundo o advogado Maurício
Vieira de Carvalho Filho, que representa o cantor, a fazenda Sol Vermelho “está
de acordo com as normas legais, e devidamente autorizada a promover a
exploração da agropecuária”. O termo de infração, diz, refere-se apenas “a
menos de 1% (um por cento) da área total da propriedade”.
O advogado afirma que tal área está preservada e que a
autuação se deve a uma “falha técnica” na licença ambiental. “A multa será
paga, aguardando apenas a decisão e deliberação do órgão competente”, afirma.
No processo, a justiça também teve dificuldades em citar o cantor, mesmo encaminhando
a intimação para o cumprimento pelos oficiais de justiça de Goiás, estado onde
mora o cantor.
A última movimentação que consta no Ibama sobre a mega multa
é que ele foi “notificado via edital para alegações finais”. Ou seja: os órgãos
responsáveis por cobrar a multa sequer conseguem encontrá-lo para avisá-lo
sobre a infração.
O “Sol Vermelho” que dá nome à propriedade vem da
canção-título do álbum lançado por Batista em 1982. É ainda o nome de um filme
do mesmo ano, com pretensões autobiográficas, em que ele faz o papel de si
mesmo. A produção é um caça-níquel produzido pelo cantor e dirigido por Antonio Meliande, figura de filmografia extensa e variada
da Boca do Lixo paulistana. Na época em que foi filmado eram comuns
filmes que pegavam carona no público de artistas populares. “Eu sei que o sol
vermelho vem trazer pra mim algum recado das coisas que eu deixei ficar
adormecidas no passado”, diz a letra da música.
A fatídica fazenda coleciona controvérsia. Em 2003, a
Polícia Militar apreendeu 464 cabeças de gado pertencentes à dupla Zezé di Camargo e Luciano sob a suspeita de sonegação
fiscal. Os animais estavam sendo vendidos a Batista. Carvalho diz que
desconhece qualquer tipo de relação com o gado apreendido. “Não participamos,
ou temos conhecimento disso, e a questão de apreensão de gado há quase 16 anos
deve ser questionada aos proprietários da época”.
Em 2010, três anos após a Assembleia Legislativa do Mato
Grosso conceder ao cantor o título de cidadão mato-grossense, a Sol Vermelho já tinha mais de 10
mil cabeças. Quatro anos depois, Batista obteve do governo estadual a aprovação
de um financiamento rural para a aquisição de mais
mil matrizes de gado para sua propriedade.
Em 2016, um funcionário da propriedade morreu em um acidente de trabalho, quando colocava
cercas. O Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região condenou Batista a
indenizar a família da vítima em R$ 60 mil, por entender que ele não ofereceu
os equipamentos de segurança, os materiais nas especificações corretas nem o
treinamento adequado ao trabalhador.
Auditores fiscais do Trabalho já haviam encontrado
irregularidades na propriedade em 2011, como problemas de alojamento, falta de
equipamentos de segurança e trabalhadores sem registro. Mas o Ministério
Público do Trabalho arquivou o procedimento depois da apresentação de
documentos que comprovariam a solução das irregularidades. O advogado garante
que o cantor “segue todas as normas do Ministério do Trabalho, e a mesma é
constantemente fiscalizada por todos os órgãos competentes”.
Amado Batista ainda responde na justiça estadual do Mato
Grosso por um crime ambiental por desmatamento cometido no município de Água
Boa, no Vale do Araguaia. O processo teve início em 2018 e a última
movimentação registrada é de janeiro de 2020. A autuação é na mesma fazenda que
as multas de Cocalinho. A propriedade fica na região dos dois municípios.
Foi um golpe fatal, foi mais forte que nós
Amado Batista não é o único grande desmatador de seu círculo
de convivência. Seu empresário, Paulo César Dias Gonçalves, também figura no
rol de mega multados, com uma sanção do Ibama ainda não paga no valor de R$
1,12 milhão em São Félix do Xingu, no Pará, de março do ano passado. Segundo o
advogado de Batista, o trabalho com o empresário foi uma parceria que durou
apenas o ano de 2016.
A área de Gonçalves, conhecida como Fazenda Mutum, está em
um dos principais focos de aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos dois
anos. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, São Félix do Xingu atingiu o
patamar mais alto de desflorestamento desde 2008. Essa devastação é puxada pela
pecuária, com invasão de áreas públicas e de preservação ambiental. Mais
de 70% do município é composto por áreas de proteção.
Gonçalves tem ainda uma fazenda agrícola em Bela Vista de Goiás, onde foi homenageado com o título de
cidadão no ano passado. PC, como também é conhecido, é empresário de cantores e
duplas sertanejos. Seu principal trunfo foi o impulso na carreira do primo,
Nivaldo Batista Lima, conhecido pelo nome artístico de Gusttavo Lima. O cantor rompeu com o empresário em 2015.
Lima e Gonçalves enfrentaram problemas com órgãos ambientais
na mesma época. O problema do músico foi o risco de rompimento de uma barragem em sua fazenda em
Bela Vista de Goiás, onde o primo também tem propriedades. A represa teria sido
construída sem autorização dos órgãos ambientais estaduais. Após ser multado, o
sertanejo entrou com um pedido de licenciamento, mas não teria feito as obras
emergenciais necessárias.
Ao te ver pela primeira vez eu tremi todo
Criador de gado, Batista costuma se apresentar em festas de
boi pelo Brasil e faz parte, desde 2011, da Associação Brasileira dos Criadores
de Zebu. O cantor é garoto propaganda de produtos pecuários e dono de
uma rádio em Anápolis, no interior de Goiás, além da
empresa que cuida das suas gravações e shows, com sede na grande São Paulo. Ele
costuma conceder entrevistas e receber personalidades na Fazenda Sol Vermelho
e, principalmente, em Goianápolis, na região metropolitana de Goiânia, onde tem
outra fazenda.
A propriedade goiana de Batista chegou às páginas de
política no ano passado. Em julho, ele recebeu para um almoço o
presidente Jair Bolsonaro e o governador de Goiás, Ronaldo
Caiado. Além da refeição com música, foi servida a bajulação como
sobremesa. “Nós temos a sorte de ter uma pessoa corajosa como você, bem
intencionada, para botar esse país nos eixos, que estava perdido”, declarou o
cantor. “Me sinto honrado de ter a amizade sua e de ter uma pessoa como você,
com a coragem que tem. Não é fácil enfrentar o que aconteceu nesse nosso país,
ter a vida quase ceifada tentando ser nosso presidente”.
O cantor de 68 anos se apresenta como “o mais amado do
Brasil”. Em sua página oficial, ele se coloca como parte de uma leva de
“artistas geniais que criaram um gênero”. A biografia em terceira pessoa diz
que “ele uniu no meio dos anos 1970 a sonoridade das modas de viola, o apuro
melódico da Jovem Guarda, o viés popular da música brasileira e escreveu letras
em forma de crônicas, com as quais todo mundo se identifica, o que lhe confere
também um quê de Bob
Dylan brasileiro”.
Bolsonaro devolveu as cortesias a Batista.
“Referência de artista brasileiro, estamos na chácara dele, a campanha
praticamente começou aqui, há 10 anos”, disse o presidente, em um vídeo
divulgado em suas redes. “Cara humilde e adorado em todo Brasil. Muita honra e
satisfação estar com ele aqui em Goiás”.
Antes do almoço, Bolsonaro dissera que “almoçar com Amado Batista
não é para qualquer um, não”. Dois meses depois, em setembro, Bolsonaro nomeou
o cantor para ser embaixador do turismo brasileiro, ao lado do
ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho. O advogado diz que a amizade de Amado
com o presidente, apesar de ter sido usada como campanha política, “é de foro
íntimo, e como tal, deve ser tratada apenas entre eles”.
Só que o tema não é de foro tão íntimo assim. Ao sentar na
mesa com um notório mega multado por desmatamento, Bolsonaro reforça seu total
desdém pelos atuais mecanismos de combate ao desmatamento e a crimes ambientais
no país.
O presidente já afirmou várias vezes que o Ibama é uma
“indústria de multas” que age de forma “ideológica” para prejudicar agricultores
e pecuaristas. Hoje, os responsáveis por aplicar multas e abrir processos
administrativos são os servidores ambientais do órgão, subordinados ao
Ministério do Meio Ambiente. Mas Bolsonaro, com o apoio de seu vice, Hamilton
Mourão, e do ministro da Justica, Sergio Moro, está empenhado em esvaziar o Ibama, delegando a uma nova
força policial ambiental o poder de aplicar as penalidades.
Nós já mostramos que a “indústria da multa” que Bolsonaro
alardeia, na verdade, não existe. O Ibama até aplica as multas – o problema é que a maioria delas não é paga. Dos R$ 75
bilhões aplicados em multas desde 1980, só R$ 2,5 bilhões foram efetivamente
pagos, apenas 3,33% do valor total. E os grandes desmatadores, que têm multas
acima de R$ 1 milhão – categoria em que Amado Batista se enquadra – são a parcela que menos paga suas dívidas ambientais.
A burocracia judicial é a maior causa de inadimplência. Se não há movimentação
judicial em três anos, as multas prescrevem. Além disso, no caso de grandes
multas, compensa recorrer e submeter a sanção a análises administrativas: desta
forma, aumenta a chance de o Ibama cometer alguma falha no
processo ou deixar o caso prescrever.
No caso da mega multa de Batista, seu advogado afirma que o
Ibama enviou uma notificação para uma antiga residência do cantor, que havia
sido informada no processo, mas que já foi anexado ao processo uma procuração
com amplos poderes para o escritório dele. Ele nega qualquer problema para
encontrar o sertanejo. “Ele tem endereço fixo na cidade de Goiânia, todas as
notificações e intimações são enviadas normalmente. Desconheço qualquer tipo de
dificuldade, até porque os endereços são públicos e o Poder Judiciário tem
acesso a todos”, afirmou.
Caso não consiga localizar Batista para citá-lo, o Ibama
terá uma nova chance nesta semana. Não será num almoço na fazenda do cantor,
porque, como diz Bolsonaro, isso não é para qualquer um. Na noite de sábado,
dia 14 de março, Batista cumpre agenda com dois shows em São Paulo, um na
capital e outro em São Bernardo do Campo. Ambos constam em sua página oficial e
foram confirmados por representantes das casas.
O primeiro será na Associação dos Funcionários Públicos, em
São Bernardo. Em seguida, ele se apresentará no Tropical Dance, na zona oeste
da capital paulistana. Quem for notificá-lo não é obrigado a ver o show.
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