Ao discursar na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de
1947, Winston Churchill proferiu a mais curta e célebre definição de
democracia: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as
demais”. Uma variante dessa definição seria a seguinte: “A democracia é o mais
imperfeito dos regimes políticos. Viva a democracia”.
A pedra basilar da democracia é a liberdade de expressão.
Todo cidadão tem o direito sagrado de discordar do governante de seu país e de
manifestar publicamente o seu desagrado. Num regime democrático, não deve
existir crime de opinião, do contrário, não se trata de democracia.
Quando uma ditadura irrompe, o primeiro direito suprimido é
a liberdade de expressão, que se traduz na censura às empresas de mídia.
Jornais são fechados, jornalistas são vigiados, presos e calados. Isso ocorre
antes mesmo de políticos da oposição serem cassados.
No Brasil, durante a segunda metade da ditadura militar, que
nos suprimiu, de 1964 a 1985, o direito de escolher pelo voto direto o
presidente da República, forças antagônicas se juntaram para resistir ao regime
autoritário. Em 1984, no palanque do movimento “Diretas Já”, pontuaram
representantes do centro à esquerda no espectro político. Olhando o grupo mais
de perto, era possível ver vultos da centro-direita e da extrema esquerda.
Derrotada a emenda Dante de Oliveira, que instituiria a
eleição direta naquele ano, antecipando em cinco anos o retorno do sufrágio
universal para a escolha do presidente, próceres da ditadura – José Sarney, da
Arena, partido do governo durante o regime militar – e da chamada “resistência
democrática” – Tancredo Neves, do então MDB, além de Ulisses Guimarães, maior
liderança da oposição à ditadura – se uniram para impedir que outro prócer do
regime – Paulo Maluf, ex-governador biônico de São Paulo – ganhasse o pleito
indireto que o Congresso Nacional realizou para eleger o sucessor de João
Figueiredo, o último general a presidir o país (de 1979 a 1985).
Terminada a ditadura, cada grupo político reunido em torno
das “Diretas Já”, todos subscritores dos valores capitais de um regime
democrático, foi para um lado. Os que chegaram ao poder não tardaram em
reclamar da imprensa, esquecendo-se que restaurar a democracia não era outra
coisa a não ser restabelecer a liberdade de expressão. A Constituição de 1988,
ao estabelecer entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro o fim de
qualquer forma de censura – numa versão popular, “é proibido proibir” -,
refletiu a opinião de uma sociedade que amargou um regime ditatorial pela segunda
vez no espaço de apenas 27 anos. Ainda assim, nenhum governo, repita-se,
absolutamente nenhum, conviveu bem com a imprensa em 30 anos de presidentes
eleitos.
Democracia e economia de mercado são quase sinônimos. Não
existe democracia com economia planificada. Porque a liberdade de empreender é
fundamental para o bom funcionamento de uma economia de mercado. Logo, o oposto
também não faz sentido: não há liberalismo em regimes autoritários. Mas, por
aqui, governos flertam com o autoritarismo e setores econômicos torcem, à boca
pequena, para que isso aconteça. Trata-se de um enorme equívoco.
Muitos no mercado financeiro acreditam na tese de que, para
avançar na economia, o Brasil precisa de um regime autoritário. A democracia,
pensam, atrasa o país. O exemplo citado é o do Chile, que, sob a ditadura
comandada pelo general Augusto Pinochet entre 1973 e 1990, quando milhares de
pessoas foram vítimas do regime, entre executadas, desaparecidas e torturadas,
economistas formados pela prestigiosa Escola de Chicago – a mesma do ministro
Paulo Guedes – implantaram sólida economia de mercado ao sul da Linha do
Equador.
Outro exemplo mencionado é o da China, que, dominada por um
regime comunista fechado, conseguiu forjar experimento capitalista que a
transformou, em pouco mais de quatro décadas, na segunda maior economia do
planeta. O que se diz é que, sem democracia, governos fortes conseguem impor
agendas liberalizantes que aceleram o crescimento do PIB, criando as condições
para eliminar a pobreza.
No caso da China, poucos analistas identificam as chances de
as coisas desandarem adiante. Cerca de 400 milhões de chineses, de uma
população de 1,39 bilhão, vivem no mundo do capitalismo ocidental. Trata-se de
uma imensa classe média, mais numerosa que a de qualquer outra nação. Mas um
detalhe é inescapável: mesmo com dinheiro no bolso, esses milhões de cidadãos
não têm liberdade para se expressar e seus direitos, inclusive o de ir e vir,
são restritos. A China é uma ditadura. Ponto.
Imagine-se o seguinte: se a China não fosse uma ditadura, a
maioria dos que vivem no grupo do 1 bilhão, entre gente que mora no campo e nas
cidades, sendo que a população urbana já superou a rural, migraria para o “Sul
maravilha”, onde ficam as províncias capitalistas.
Num regime fechado, o Estado escolhe quem salta da Idade
Média para o século XXI. Se a escolha fosse livre, as cidades chinesas já
teriam favelas mais povoadas que as do Brasil. Mas não se iludam os defensores
do modelo político chinês: nenhum, dos 400 milhões de viventes da China
capitalista, está feliz com a falta de liberdade.
Chineses, como brasileiros e indianos, buscam o progresso, o
que significa procurar, sempre, o lugar onde possam viver melhor. A urbanização
acelerada do Brasil desde a década de 1950 provocou o crescimento desordenado
das principais capitais do país. O subproduto desse processo foi o surgimento
de favelas gigantescas no Rio, São Paulo, Recife, Salvador etc.
É razoável esperar que, à medida que a China caminhe para se
tornar uma economia avançada, o clamor por mais liberdade e direitos aumente de
forma acelerada. O povo pedirá democracia porque isso é intrínseco ao ser
humano. A pressão por mudança de regime será crescente e isso, claro, terá
efeito negativo sobre a expansão da economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário