O momento impõe ao governo uma reflexão sobre seus métodos
de articulação política.
Não há mais quem defenda, na Esplanada dos Ministérios ou no
Congresso, o modelo de relacionamento adotado pela administração Jair Bolsonaro
com o Legislativo. O problema do presidente, contudo, é que esse debate interno
ocorre em um momento em que a confiança talvez seja a matéria mais escassa na
Praça dos Três Poderes. Uma mudança de rota, se o governo surpreender e por um
outro caminho optar, não será fácil.
Isso não quer dizer que serão substituídos, a curto prazo,
os atuais articuladores políticos do governo.
Como diz um frequentador dos principais gabinetes do Palácio
do Planalto, é inquestionável que Bolsonaro mantém plenos poderes para trocar
quem quiser de sua equipe. Para essa autoridade, porém, Bolsonaro enfrentaria
dificuldades práticas para demitir alguns dos ocupantes dos principais cargos
da máquina federal sem correr o risco de criar turbulências.
O presidente se cercou de amigos pessoais e quadros oriundos
das Forças Armadas, diz essa mesma autoridade: “Não se pode nomear quem não se
pode demitir”.
Foi nessa conjuntura que, em vez de dispensar, o presidente
acabou transferindo o ministro Onyx Lorenzoni da Casa Civil para o Ministério
da Cidadania. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, Onyx pegou na mão do antigo
colega da Câmara dos Deputados e o ajudou a percorrer o país, participar de
eventos políticos e de encontros com empresários.
Onyx integrou o núcleo de coordenação da campanha que saiu
vitoriosa das eleições de 2018, o que lhe deu gabarito para ocupar um lugar de
destaque no governo. Já na transição desempenhou papel importante no embate com
a oposição e como porta-voz de uma administração de ruptura.
No entanto, equivocou-se ao imaginar que teria facilidades
em manter sob seu controle tanto a gestão do governo quanto a articulação
política.
Outro erro, este coletivo, foi acreditar que negociações com
as bancadas setoriais seriam suficientes para garantir a aprovação da agenda
legislativa de interesse do governo. Essa decisão foi tomada depois de longas
discussões entre os formuladores da estratégia da campanha e do programa de
governo de Bolsonaro.
Um participante desses debates cita a visão histórica que
fundamentou a formatação do atual modelo de interação entre Congresso e
Executivo. Na avaliação de aliados do presidente, o senador Fernando Collor
sofreu um impeachment por não possuir uma “modelagem” de articulação e ter
acreditado que contaria com o eterno suporte de determinados partidos,
principalmente do PFL. O fracasso de seu plano econômico teria selado seu
destino político, sentenciam.
Já o ex-presidente Itamar Franco seguiu seu “instinto
mineiro”. Incorporou no governo o PSDB em lugar de destaque e, sinalizando que
não disputaria as eleições, conseguiu entregar a faixa presidencial para seu
sucessor sem sofrer grandes danos pessoais.
A abordagem de Fernando Henrique Cardoso foi “sociológica”,
segundo essa avaliação, destacando um feito do tucano: ele conseguiu um ponto
de equilíbrio com menos partidos. Isso teria se devido, em parte, ao
“caciquismo” que vigorava no PFL.
Na narrativa governista, o ex-deputado Luís Eduardo
Magalhães garantia praticamente a plenitude dos votos de seu partido. O PSDB
tinha menos votos no Parlamento, mas também ajudava a sustentar vitória nas
votações. “Na PEC da reeleição, tiveram que usar o vale-tudo. O PT ficou
olhando e disse: ‘Ah, quando eles precisam é assim que eles fazem, né?’”,
prossegue um aliado do presidente.
A mesma fonte desenha a sistemática aplicada pelo PT,
citando o escândalo do mensalão: “A proposta política dos petistas era a
Esplanada toda para o PT e o resto dos partidos ia para o Banco Rural”.
Tal prática, porém, precisou ser substituída após as denúncias.
“Descobriram nossa modelagem. Vamos ficar só com determinados ministérios e
vamos entregar outros com porteira fechada. Os aliados pilotam o orçamento e a
gente não olha, finge que não vê e eles fingem que a gente não sabe também. Mas
os votos a gente vai ter”, emenda a fonte, simulando o que, na sua visão, seria
o pensamento dos petistas naquela época. “Deu na Lava-Jato”, constatou em
seguida.
Essa é a abordagem histórica que explica o discurso adotado
por Bolsonaro meses antes da campanha eleitoral. O então deputado percebera que
grande parte do eleitorado votaria em quem prometesse acabar com a
promiscuidade na política.
Seguindo esse roteiro, Bolsonaro e integrantes da equipe
econômica ofereceram os instrumentos para que o Legislativo pudesse ter, enfim,
mais poder sobre o Orçamento. “Mas a imaturidade não traz harmonia, e
independência sem harmonia resulta em crise”,
sentencia a fonte.
sentencia a fonte.
É justamente neste cenário de crise que o Executivo e o
Congresso discutem o formato do Orçamento impositivo. Os dois Poderes poderiam
aproveitar o ensejo para reformatar essa relação.
Uma solução mencionada por integrantes da base governista e
do Executivo seria a intensificação do diálogo entre o governo e as bancadas
estaduais. O problema é que, depois de demonizar os partidos políticos, o
presidente Jair Bolsonaro rompeu com diversos governadores e não mantém um bom
diálogo com vários outros.
Mesmo assim, ainda há espaço para uma trégua, tendo grandes
obras de infraestrutura no centro de uma agenda comum. Com ela, o Executivo
teria condições de fazer avançar projetos prioritários. Os congressistas
poderiam ser transformados em protagonistas de solenidades de inauguração nos
seus redutos eleitorais. Ambos os lados sairiam ganhando, e o governo federal
ainda conseguiria evitar que um montante gigantesco de verbas públicas fosse
mal alocado ou transformado em custeio.
Qualquer saída a ser construída exigiria a renovação da
confiança entre os partícipes das negociações, algo difícil de se vislumbrar
quando um dos lados abomina a política e transforma “acordo” em um verbete
maldito.
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