A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a
disseminação do coronavírus atingiu a proporção de pandemia global. A
designação é, na prática, pouco mais que simbólica, mas com ela a OMS pretende
chamar a atenção de todo o planeta para os graves riscos econômicos e de saúde
pública associados à expansão desenfreada da doença. “Estamos profundamente
preocupados tanto com os alarmantes níveis de disseminação e de severidade da
pandemia como com os alarmantes níveis de inação”, disse o diretor da OMS,
Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Assim, a OMS torna oficial o que já era a conclusão de
epidemiologistas de várias partes do mundo, inclusive do Brasil. A crise do
coronavírus é concreta, não uma “fantasia” criada pela “grande mídia”, como
disse o presidente Jair Bolsonaro. Preocupa sobremaneira que o governo
brasileiro, a julgar pelas declarações inconsequentes do presidente, esteja
propenso a considerar a pandemia como sendo apenas uma “pequena crise”. Isso é
“brincar com fogo”, como comentou o biólogo Fernando Reinach em sua coluna no
Estado. “E provavelmente vamos nos queimar”, completou ele, ao lembrar que o
sistema de saúde da Itália já entrou em colapso e que tal perspectiva levou
diversos países a adotar medidas drásticas para tentar frear a expansão do
vírus. No Brasil, contudo, as autoridades nem sequer decidiram quais são os
cenários possíveis e, como escreveu Reinach, parecem preferir “esperar para
ver”.
É assim que Bolsonaro encara crises verdadeiras: menospreza
seus riscos e as considera criações da imprensa. Tem sido assim também no trato
da crise econômica: enquanto milhões de cidadãos continuam a enfrentar a dura
realidade do desemprego graças ao crescimento pífio do PIB sob Bolsonaro, o
governo tenta convencer o distinto público de que tudo vai bem.
No caso dos efeitos da pandemia do coronavírus sobre a
economia global, com óbvias consequências negativas sobre o já claudicante
crescimento do Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que
estava “absolutamente tranquilo”. Esse estado de negação, a exemplo do que
acontece no caso do coronavírus, atrasa a adoção de medidas que poderiam ajudar
o País a enfrentar a crise.
Enquanto trata problemas reais e graves como pouco
relevantes, o presidente da República despende a energia que extrai de seu
cargo com crises inventadas pela inesgotável imaginação dos bolsonaristas. O
mais recente delírio manifestado pelo presidente foi a denúncia de que a
eleição de 2018 foi “fraudada”.
“Eu acredito que, pelas provas que tenho em minhas mãos, que
vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no
meu entender teve fraude. E nós temos não apenas palavra, nós temos comprovado,
brevemente eu quero mostrar”, disse Bolsonaro, com sintaxe muito peculiar. Mais
tarde, questionado sobre quando mostraria as tais “provas”, o presidente
desconversou: “Eu quero que você me ache um brasileiro que confia no sistema
eleitoral brasileiro”.
É evidente que uma declaração dessa gravidade merecia o
repúdio imediato das instituições democráticas, como fez o Tribunal Superior
Eleitoral ao reafirmar a lisura das eleições de 2018 e das anteriores. E é
espantoso que o presidente da República, no auge de uma combinação de
turbulências que ameaçam seriamente o futuro imediato do País, prefira
mobilizar a opinião pública e as instituições em torno de seus devaneios
persecutórios e conspirativos. Isso talvez indique que ele acha que o mundo
gira em torno de sua excelsa figura.
Infelizmente, esse tem sido o padrão de comportamento do
presidente Bolsonaro ante os inúmeros desafios que se lhe apresentam desde que
tomou posse, e nada indica que será diferente até o final do mandato,
especialmente à medida que fica mais clara a sua incapacidade de governar,
qualquer que sejam as circunstâncias.
Ou seja, hoje já é possível dizer que a grande crise que o
Brasil enfrenta não é a economia travada ou a ameaça epidêmica do coronavírus;
a verdadeira crise do País é não ter governo justamente quando ele é mais
necessário.
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