É cada vez mais comum que candidatos contestem o resultado
das eleições, normalmente quando são derrotados, salvo
raras e curiosas exceções. Na psicologia do candidato, embriagado pelo
clima de campanha e pelo entusiasmo dos familiares e apoiadores, a vitória é
absolutamente segura, basta esperar o resultado das urnas. É óbvio que, como há
muito mais candidatos do que vagas, a maioria sai frustrada das eleições e
muitos não se conformam, buscando culpados.
A Constituição
de 1988 traça um caminho claro para a manifestação de inconformismo,
desde que haja “provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”. Para
tanto, abre um prazo de 15 dias, contado da diplomação, para que o mandato
eletivo do vencedor possa ser impugnado perante a Justiça Eleitoral.
Após os 15 dias, Inês é morta, não adianta mais chorar o
leite derramado. O prazo é de decadência, fatal e peremptório. Passado esse
período, o resultado não pode mais ser questionado, até para garantir a
estabilidade dos resultados da eleição e dar segurança ao sistema político.
O uso desse mecanismo pelos vencidos é muito comum, a ponto
de que hoje até se fala, figurativamente, num terceiro turno, em que os
resultados são discutidos perante a Justiça Eleitoral. Uma das alegações
recorrentes é a de fraude, por manipulação das urnas eletrônicas, sem que tenha
aparecido, há muitos anos, qualquer caso de reconhecimento de tais falhas.
A fraude eleitoral no Brasil era corriqueira até à criação
da Justiça
Eleitoral, em 1932, para organizar eleições livres, sem as escandalosas
adulterações: “Em todas as assembleias se operava ilegal segundo escrutínio, em
que se rasgava o diploma na cara do legitimamente eleito e se dava posse ao
derrotado em toda linha”, informa o constitucionalista Carlos Maximiliano.
Democracia, resume Maurice Duverger, mestre da ciência
política, é o regime em que os governantes são escolhidos pelos governados, por
meio de eleições honestas e livres. Outro grande cientista político, Georges
Burdeau, reconhece em seu “Tratado de Ciências Políticas”, que “desde a
antiguidade, a urna eleitoral é talvez o único instrumento para o qual nenhum
sucedâneo foi descoberto.”
Se o voto em papel permitia manipulação por ocasião da
apuração, e isso ocorreu mais de uma vez, as urnas eletrônicas compõem um
sistema testado e auditado pela sociedade, que transmite os resultados no mesmo
dia do sufrágio e evita delongas e especulações.
Nos Estados Unidos, que ainda não adotam o sistema
eletrônico, são constantes as denúncias de fraude, até em eleições
presidenciais, especialmente em estados que usam sistemas obsoletos, tais
como cartões
perfurados, por exemplo. O resultado pode demorar meses, e aí a confusão se
instala.
Aqui, muitos políticos brigam
com as urnas eletrônicas, embora não duvidem de suas máquinas de calcular,
celulares, ou máquinas de café. Não perceberam ainda que a grande ameaça para a
democracia é a manipulação da opinião por robôs nas redes sociais, e mesmo por
hackers de outros países.
“Nos países de governo constitucional representativo é a
eleição o ato mais importante, porque, bem que sejam todos os poderes
delegações da nação, nunca se afirma tão diretamente a vontade do povo, na
direção regular a dar ao Estado, como durante a consulta das urnas.” A lição de
Ruy Barbosa continua valendo, sejam as urnas de lona ou digitais.
Contestar o resultado das eleições depois dos 15 dias
previstos na Constituição é questionar fora de hora a vontade expressa pelos
eleitores e a legitimidade dos eleitos, ou seja, tentar arranhar a própria
democracia instituída e garantida pela Constituição Federal.
Eduardo Muylaert
Advogado criminal, foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral
de São Paulo (TRE-SP) de 2002 a 2007
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