segunda-feira, 16 de março de 2020

ELEIÇÕES E DECADÊNCIA

Eduardo Muylaert, Folha de S.Paulo
É cada vez mais comum que candidatos contestem o resultado das eleições, normalmente quando são derrotados, salvo raras e curiosas exceções. Na psicologia do candidato, embriagado pelo clima de campanha e pelo entusiasmo dos familiares e apoiadores, a vitória é absolutamente segura, basta esperar o resultado das urnas. É óbvio que, como há muito mais candidatos do que vagas, a maioria sai frustrada das eleições e muitos não se conformam, buscando culpados.
Constituição de 1988 traça um caminho claro para a manifestação de inconformismo, desde que haja “provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”. Para tanto, abre um prazo de 15 dias, contado da diplomação, para que o mandato eletivo do vencedor possa ser impugnado perante a Justiça Eleitoral.
Após os 15 dias, Inês é morta, não adianta mais chorar o leite derramado. O prazo é de decadência, fatal e peremptório. Passado esse período, o resultado não pode mais ser questionado, até para garantir a estabilidade dos resultados da eleição e dar segurança ao sistema político.
O uso desse mecanismo pelos vencidos é muito comum, a ponto de que hoje até se fala, figurativamente, num terceiro turno, em que os resultados são discutidos perante a Justiça Eleitoral. Uma das alegações recorrentes é a de fraude, por manipulação das urnas eletrônicas, sem que tenha aparecido, há muitos anos, qualquer caso de reconhecimento de tais falhas.
A fraude eleitoral no Brasil era corriqueira até à criação da Justiça Eleitoral, em 1932, para organizar eleições livres, sem as escandalosas adulterações: “Em todas as assembleias se operava ilegal segundo escrutínio, em que se rasgava o diploma na cara do legitimamente eleito e se dava posse ao derrotado em toda linha”, informa o constitucionalista Carlos Maximiliano.
Democracia, resume Maurice Duverger, mestre da ciência política, é o regime em que os governantes são escolhidos pelos governados, por meio de eleições honestas e livres. Outro grande cientista político, Georges Burdeau, reconhece em seu “Tratado de Ciências Políticas”, que “desde a antiguidade, a urna eleitoral é talvez o único instrumento para o qual nenhum sucedâneo foi descoberto.”
Se o voto em papel permitia manipulação por ocasião da apuração, e isso ocorreu mais de uma vez, as urnas eletrônicas compõem um sistema testado e auditado pela sociedade, que transmite os resultados no mesmo dia do sufrágio e evita delongas e especulações.
Nos Estados Unidos, que ainda não adotam o sistema eletrônico, são constantes as denúncias de fraude, até em eleições presidenciais, especialmente em estados que usam sistemas obsoletos, tais como cartões perfurados, por exemplo. O resultado pode demorar meses, e aí a confusão se instala.
Aqui, muitos políticos brigam com as urnas eletrônicas, embora não duvidem de suas máquinas de calcular, celulares, ou máquinas de café. Não perceberam ainda que a grande ameaça para a democracia é a manipulação da opinião por robôs nas redes sociais, e mesmo por hackers de outros países.
“Nos países de governo constitucional representativo é a eleição o ato mais importante, porque, bem que sejam todos os poderes delegações da nação, nunca se afirma tão diretamente a vontade do povo, na direção regular a dar ao Estado, como durante a consulta das urnas.” A lição de Ruy Barbosa continua valendo, sejam as urnas de lona ou digitais.
Contestar o resultado das eleições depois dos 15 dias previstos na Constituição é questionar fora de hora a vontade expressa pelos eleitores e a legitimidade dos eleitos, ou seja, tentar arranhar a própria democracia instituída e garantida pela Constituição Federal.
Eduardo Muylaert
Advogado criminal, foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) de 2002 a 2007
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