Domingo, 13h. Um sorridente Jair Bolsonaro, trajando camisa
polo da Confederação Brasileira de Futebol, desce a rampa do Palácio do
Planalto, geralmente destinada a solenidades, para cumprimentar mais de 200
pessoas, posar para selfies ao lado de cartazes pregando o fechamento do
Congresso e com palavrões e subir de volta aos urros de “AI-5, AI-5”.
Naquela ocasião, o Brasil já iniciara uma quarentena ainda
meio desajeitada, mas engajada nas orientações do Ministério da Saúde para
tentar achatar a curva de propagação do novo coronavírus no Brasil. Bolsonaro,
por sua vez, tinha um segundo teste de Covid-19 pendente, e deveria estar em
isolamento.
Terça-feira, 18h. Um Bolsonaro bem menos acelerado, com cara
assustada e acuada, para na grade do Palácio da Alvorada para uma conversa com
a imprensa. Não xinga ninguém. Não diz que a pandemia de coronavírus é histeria
– nem sua variante “histerismo” – ou fantasia. Não ofende Rodrigo Maia nem Davi
Alcolumbre. Pelo contrário: os convida para uma reunião, juntamente com outros
representantes de Poderes.
O que mudou nas 50 e poucas horas entre os dois atos? Pelo
menos duas pessoas morreram pelo novo coronavírus, as primeiras vítimas
brasileiras de uma pandemia que já vitimou mais de 7.000 pessoas pelo mundo. E
as instituições traçaram uma risca no chão diante dos arreganhos autoritários
do presidente da República.
Não se sabe se por motor próprio ou se instado pelos
militares, mas Bolsonaro saiu do looping em que estava desde o início do ano e
fez um leve recuo. Pode não durar e ele pode entrar em autocombustão, como já
ocorreu em outras vezes e é de sua natureza.
A diferença, dramática para ele, é que desta vez houve perda
importante do pouco de massa crítica que ainda restava no bolsonarismo, que se
comporta cada vez mais como uma seita golpista. Janaina Paschoal, deputada mais
votada da História do País, uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma
Rousseff, que recusou a vaga de vice na chapa de Bolsonaro, fez um discurso
contundente dizendo que ele deveria deixar o cargo por colocar a saúde pública
em risco.
O governador Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, um dos poucos a
dar a cara a tapa e defender o governo federal, foi às ruas escorraçar
manifestantes em Goiânia, com um duro discurso no qual disse que antes de
governador é médico. O contraste com a fanfarronice presidencial foi cristalino
até para os fanáticos das redes sociais, e em linguagem testosterônica, que
eles conseguem entender.
A erosão do apoio a Bolsonaro, que vinha num crescente em
razão da cobiça do Legislativo sobre o Orçamento, foi detectada pela medição de
redes sociais do Planalto – o único indicador com o qual o presidente da
República parece se importar de fato. E a palavra impeachment deixou de ser
proibida e passou a frequentar o discurso de parlamentares, analistas políticos
e juristas. Bolsonaro ajuda: vai deixando digitais de crimes de responsabilidade
ainda mais evidentes que os perdigotos que lança em tempos de recomendação de
distanciamento social.
É claro que iniciar uma batalha pelo impeachment em meio a
uma pandemia é uma irresponsabilidade. Não serei eu a defender este caminho, nem
existe propensão real do Congresso a avançar por aí. Mas, ao excluírem o
presidente da República da mesa de discussão de saídas para a pandemia, os
demais líderes do País mandaram um recado a ele: se quisermos, podemos
isolá-lo.
Bolsonaro entendeu. A cara de pânico com que anunciou a
reunião horas depois de dizer, infantilmente, que faria uma festinha de
aniversário deixou claro que, até para alguém com uma noção tão rudimentar do
próprio papel no momento mais dramático da História do País neste século, o
medo é um sábio conselheiro.
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