O Congresso
Nacional farejou a falta de articulação do Governo e decidiu retaliar
o presidente
Jair Bolsonaro (sem partido) que, por sua vez, já havia deixado claro
que seu desejo era tratorar o Parlamento. Nos últimos dias, o
mandatário convocou atos em protesto contra o Legislativo, voltou atrás em
acordos pré-firmados com deputados e senadores, minimizou os efeitos da pandemia
de coronavírus e declarou ter provas de em 2018 ele só não venceu as
eleições em primeiro turno porque elas teriam sido foram fraudadas.
O resultado da confusão bolsonarista: 304 deputados e 45 senadores derrubaram o
veto do presidente sobre um projeto de lei que, na prática, aumenta o
contingente de quem tem direito a receber o benefício
de prestação continuada (BPC). Atualmente, para receber um salário
mínimo, o brasileiro tem que ser idoso ou com deficiências físicas, de baixa
renda. Atualmente, ser de baixa renda significa ter renda familiar de até um
quarto de salário minimo. Agora, com o projeto reabilitado pelo Congresso, o
teto é maior: meio salário mínimo.
O impacto sobre a derrubada do veto ainda é incerto. Há
analistas legislativos do Congresso que dizem que ele varia de 7 bilhões a 10
bilhões de reais. Enquanto que técnicos do Ministério da Economia afirmam que
seria de 20 bilhões de reais ao ano.
Os opositores comemoraram a derrota, que foi marcada também
por uma
traição do Centrão. As lideranças orientaram a bancada a votar a favor da
manutenção do veto, mas menos de 150 parlamentares seguiram a orientação.
Notando a falta de apoio, o líder do Governo no Congresso, o senador Eduardo
Gomes (MDB-TO), pediu que a pauta de votações da sessão fosse suspensa e foi
atendido. “Pedimos o encerramento da sessão para uma discussão apurada sobre o
restante da pauta”, afirmou. Se não houvesse a suspensão, o Governo poderia
perder em mais dois ou três vetos.
“O Congresso cometeu uma irresponsabilidade fiscal.
Significa que haverá 11 bilhões de reais a menos nos cofres públicos”, reclamou
o deputado governista Marcel Van Hattem (NOVO-RS). “Esse tema do BPC é nossa
bandeira. Seria uma irresponsabilidade manter esse veto”, afirmou Soraya Santos
(MDB-RJ).
O pano de fundo da decisão do Legislativo são os protestos
contra o Congresso Nacional e o Judiciário, do próximo dia 15. Os atos
foram convocados por apoiadores de Bolsonaro e tiveram o apoio declarado do
presidente. Nesta semana, depois que o presidente discursou a favor da
manifestação a Secretaria de Comunicação da Presidência da República incentivou
o ato em suas redes sociais, algo que é ilegal, já que não se trata de um
evento oficial do poder público. Uma das tentativas de incentivar as manifestações
foi o presidente dizer que as eleições vencidas por ele em 2018 tinham sido
fraudadas.
“Bolsonaro é cada vez mais uma ameaça à democracia. Ele tem
de provar o que fala, senão, tem de responder criminalmente sobre essa falta
irresponsável”, afirmou o líder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
“Acredito que a fala do presidente acaba trazendo uma discussão sobre a
necessidade ou não de se ter voto impresso”, disse o líder do Governo no
Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
Bezerra é um dos parlamentares que tem se desdobrado para
manter os acordos para a votação do PLN4/2020. O projeto, de autoria do
Governo, prevê dividir entre o Executivo e o Legislativo a destinação de 30
bilhões de reais de emendas orçamentárias. Metade para cada um. Em princípio, todo
esse valor seria destinado aos parlamentares, por meio do relator do Orçamento.
O acordo inicial previa que Bolsonaro vetaria esse valor, os parlamentares
manteriam esse veto e aprovariam o PLN4. Mas depois de ter o veto mantido, o
Executivo ameaçou retirar sua proposta, o que irritou parte do Parlamento. Na
prática, a proposta do Governo só será analisada nas sessões do Congresso da
próxima semana.
Menos engajamento
Os discursos de Bolsonaro sobre a fraude eleitoral, sem
qualquer evidência ou prova, reverberaram nas redes de apoiadores, que
difundiram uma série de boatos sobre essa fraude —que foi negada pelo Tribunal
Superior Eleitoral. Os apoiadores intensificaram também os ataques contras os
presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Nem um deles estiveram no plenário do Congresso nesta quarta-feira.
Um estudo da Sala da Democracia Digital da Fundação Getulio
Vargas constatou que o debate sobre as manifestações de 15 de março soma 3,6
milhões de menções no Twitter desde 20 de fevereiro. Em março, todavia, vem
perdendo força entre grupos pró-Governo. “Hashtags de engajamento sobre os
atos, que antes destacavam apoio a Bolsonaro, tornaram-se mais críticas ao presidente
da Câmara”, diz o relatório.
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