É dramaticamente irônico que o presidente Jair Bolsonaro
tenha dito que o coronavírus não passava de uma “pequena crise”, uma “fantasia”
criada pela “grande mídia”, e apenas dois dias depois um dos contaminados no
Brasil venha a ser justamente o secretário de Comunicação da Presidência, Fábio
Wajngarten. Vítima da “fantasia”? Vítima da imprensa?
O fato é que, agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já
declarou pandemia, os casos e mortes se multiplicam rapidamente por todos os
continentes, as Bolsas despencam, eventos nacionais e internacionais são
cancelados, um atrás do outro, e as escolas estão sendo fechadas.
A curiosidade é por que o presidente perde todas as chances
de ficar calado. Fantasia? O coronavírus já atingiu centenas de milhares de
pessoas no mundo, com perto de 5 mil mortes. No Brasil, já havia em torno de 80
casos confirmados e mais de 1.400 suspeitos em vários Estados e no DF.
A Bovespa já foi suspensa quatro vezes nesta semana, com as
maiores quedas desde 1998, enquanto o dólar chegou a bater em R$ 5. É para
brincar com uma coisa dessas? Ou para imitar seu ídolo Donald Trump? Ou para
aproveitar para jogar descrédito sobre a mídia? Melhor do que isso seria o
Planalto e o Ministério da Economia seguirem o exemplo do Ministério da Saúde.
Mostrar serviço, atenção, presteza. Não é essa a sensação, nem em Brasília nem
no mercado.
Em meio a tudo isso, é muito preocupante, sim, que
Wajngarten tenha viajado no mesmo avião do presidente e tido contato o tempo
todo com ministros e assessores da comitiva presidencial a Miami. Para
constrangimento geral, ele também participou do jantar de Trump para Bolsonaro na
restrita Mar-a-Lago e ainda tirou foto com Trump e o vice Mike Pence com aquele
boné ridículo do “Brasil great again”. Já imaginaram se ele sai contaminando a
cúpula da Casa Branca?
É óbvio que Wajngarten é uma vítima, um paciente, totalmente
isento de qualquer responsabilidade, mas, na prática, o presidente, a
primeira-dama Michelle, o filho Eduardo, ministros e assessores da Presidência
estão numa situação delicada. Não precisa isolamento, mas monitoramento e
evitar aglomerações, reuniões, apertos de mão, abraços e beijos. Logo, o
governo brasileiro está em “home working”.
Enquanto isso, o Congresso derruba o veto da ampliação do
Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos carentes e deficientes,
dando uma de bonzinho para o eleitor e uma de mau para as contas públicas e
para Bolsonaro e o governo.
Para piorar, uma parte do Congresso faz jogo duro para
liberar os R$ 5 bilhões que o ministro Luiz Henrique Mandetta reivindica para
preparar o País para acolher e tratar os pacientes de coronavírus por toda
parte. Mandetta pediu, o deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre
apoiaram, mas líderes de partidos do Centrão arranjam pretextos para dificultar
as coisas. É brincar com fogo.
A situação ainda vai piorar muitíssimo, antes de atingir o
pico e começar a melhorar. Por enquanto, os contaminados são pessoas que
estavam na Ásia, na Europa, particularmente na Itália, e têm acesso ao que há
de melhor em saúde no Brasil. O problema será quando os “ricos” começarem a
passar o vírus para os “pobres”. Esse será o grande teste, não apenas da saúde
pública no Brasil, mas também das autoridades brasileiras, a começar do
presidente e do Congresso. Não é fantasia e não se pode brincar com vida e
morte.
Aliás, e se usassem para o secretário o que Abraham Weintraub
usou para a educadora Priscila Cruz, após suspeita do coronavírus? Citando a
Bíblia, ele comemorou: “O Senhor nosso Deus os destruirá”. Sorte que há poucos
Weintraub para coisas assim.
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