O noticiário internacional continua focado no coronavírus e
seus impactos. Há muitas notícias de medidas econômicas para amenizá-los e de
outras que há tempos já vinham sendo adotadas ou cogitadas contra um
esfriamento da economia mundial, agora agravado pela covid-19.
No Brasil segue o debate sobre a crise econômica, a novela
das reformas propostas pelo ministro Paulo Guedes e a retomada ou não de um
crescimento mais forte, com o não subindo nas apostas também por causa do
coronavírus.
O que fazer na economia? Internacionalmente, destacam-se
medidas recém-adotadas nos EUA pelo seu banco central, conhecido como Fed.
Primeiro, no dia 3 deste mês reduziu a taxa básica de juros, que corresponde à
nossa Selic, para um valor entre 1% e 1,25% ao ano, procurando estimular a
economia. E no último dia 15, um domingo, também como reação ao impacto
econômico do coronavírus, anunciou não só outra redução dessa taxa, para entre
zero e 0,25%, como também um quantitative easing (QE), ou afrouxamento
monetário
No QE, o Fed adquire títulos da dívida pública em poder no
mercado, bem como créditos privados, como os de hipotecas imobiliárias. O QE
veio na crise de 2008 e se recomenda quando a taxa básica de juros e a de
inflação se tornam zeradas ou próximas disso, e a primeira deixa de estimular a
demanda de crédito.
Aqui, em artigos entre julho e setembro de 2019, defendi a
adoção do QE no Brasil pelo Banco Central (BC), mas só para créditos de
hipotecas imobiliárias, para estimular a construção civil, grande geradora
empregos. E para créditos ligados a obras de infraestrutura, como os concedidos
ou a conceder pelo BNDES.
Ao argumento de que nem a inflação nem a Selic estão
próximas de zero no Brasil para um QE, respondo que na nossa economia ainda é
ampla a indexação de preços, tarifas públicas e rendimentos, ou seja, sua
correção pela inflação, com o que esta tende a se perpetuar. Se fosse para
esperar que ela e a Selic cheguem a zero ou muito próximas disso, um QE não
ocorreria, com o que a política monetária perderia a oportunidade de recorrer a
um instrumento que se tem revelado útil, como nos EUA e na área do Banco
Central Europeu (BCE).
Também propus que fosse liberado um valor significativo de
parte dos depósitos compulsórios que os bancos mantêm no BC. Isso foi feito em
pequena magnitude no ano passado, mas em 19/2/2020 foi anunciado um valor bem
maior, de R$ 135 bilhões, porém sem o direcionamento que propus, como no QE.
Ele se justifica porque nosso sistema bancário é
disfuncional e só excepcionalmente dá crédito a juros razoáveis, como para
adquirir imóveis. Em geral as taxas que cobra são muito altas para necessidades
importantes como as de capital de giro e crédito pessoal. E há casos em que
suas taxas são escorchantes, como no cheque especial e no financiamento rotativo
dos cartões de crédito.
Ontem o Comitê de Política Monetária do BC deve ter decidido
novamente sobre o valor da Selic. Não sei o que virá, mas ele deveria refletir
muito acerca do potencial de reduções adicionais sobre a expansão do crédito da
economia. Com as características dos bancos já citadas, com uma Selic menor
eles tomam recursos a taxas menores, mas em cima desses custos mais baixos põem
spreads enormes, que contêm enormemente o estímulo que viria das reduções da
Selic. Ademais, como a Selic já está próxima da taxa de inflação, novas
reduções poderão afetar a demanda por títulos da dívida pública, dificultando
sua rolagem e ampliação.
Também no Brasil, o ministro Guedes anunciou no último dia
16 um pacote de medidas para conter impactos econômicos e sociais do
coronavírus. Numa lista neste jornal, contei 13 novas medidas, além de cinco
previamente anunciadas. Não tenho espaço para detalhá-las, mas um traço comum é
que não são medidas com impacto fiscal relevante, notando-se assim a cautela do
ministro no sentido de preservar seu esforço pelo ajuste das contas públicas.
Mas ontem soube da notícia de que o governo pediria o aval do Congresso para
declarar calamidade pública e gastar mais na área de saúde.
É uma emergência séria e não vejo outra saída. Mas isso não
deve ser feito em prejuízo do teto de gastos para as demais despesas. Nem com
aumento de impostos. Vi que a Constituição (artigo 167, III), permite operações
de crédito que excedam o montante das despesas de capital se autorizadas via
créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo
Legislativo por maioria absoluta. Cabe ampliar a dívida, não vejo outra saída.
Não vi, contudo, medidas mais voltadas para os trabalhadores
do mercado informal, exceto uma ampliação do Bolsa Família, destinada a reduzir
em apenas um terço a fila desse benefício. Muitos desses trabalhadores dependem
das pessoas que se movimentam pelas ruas, cujo número se vem reduzindo
rapidamente, principalmente nas cidades de maior porte. É preciso fazer algo
por eles. E rapidamente.
*Economista (UFMG, USP e HARVARD), professor sênior da USP,
é Consultor Econômico e de ensino superior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário