segunda-feira, 30 de março de 2020

RECURSOS PRECIOSOS

Editorial Folha de S.Paulo
Mal se começa a calcular o impacto nas contas públicas das medidas de combate ao coronavírus e de mitigação dos efeitos sociais da paralisia econômica. Em uma estimativa preliminar, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse que o déficit primário federal deverá passar neste ano de exorbitantes R$ 300 bilhões.
Dito de outra maneira, esse é o montante que o governo terá de tomar emprestado para cobrir suas despesas com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimentos —o chamado resultado primário não inclui os encargos com juros da dívida.
Na versão aprovada pelo Congresso, o Orçamento de 2020 mira um déficit máximo de R$ 124 bilhões. Entretanto os gastos ficarão muito acima do previsto, e as receitas cairão devido à recessão iminente e à necessidade de conceder alívio tributário a empresas.
Não há o que questionar quanto ao imperativo de tais providências, que, aliás, já tardam. Não por acaso, a legislação contempla a possibilidade de relaxar os limites para os dispêndios em calamidades.
Será ilusório, porém, imaginar que os cofres serão abertos sem custos posteriores. A dívida pública brasileira —que pela metodologia do Fundo Monetário Internacional ronda os 90% do Produto Interno Bruto— só se equipara, entre as principais economias emergentes, à da Argentina em crise.
Os sacrifícios necessários para deter a expansão desse passivo, ininterrupta desde 2014, serão maiores daqui em diante. Nesse sentido, cumpre desde já buscar meios de eliminar gastos não prioritários ou excessivos. Aqui se destaca a possibilidade de reduzir jornadas e salários de servidores públicos.
Defendida pela área econômica do Executivo e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entre outros, a medida se justifica duplamente.
A despesa do país com o funcionalismo está entre as mais altas do mundo, o que estreita a margem para outros desembolsos, e esse estrato bem remunerado da sociedade já se encontra protegido da crise pela garantia de estabilidade no emprego —à diferença da enorme maioria dos brasileiros.
A alternativa de corte de jornadas e salários já consta da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o Supremo Tribunal Federal formou maioria contra a regra no ano passado. Uma mudança constitucional, portanto, faz-se necessária.
Resta esperar que, diante da conjuntura dramática do país, as cúpulas dos três Poderes deixem de lado o corporativismo obtuso e o apego mesquinho a privilégios.
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