O ministro Luiz Henrique Mandetta passou a semana
constrangido, tentando equilibrar-se entre as recomendações dos técnicos de sua
pasta e a posição do presidente Jair Bolsonaro pelo fim do isolamento,
expressada em rede nacional na terça-feira. Já o chefe não viu problemas em
desautorizar o subordinado.
Mandetta declarou novamente no sábado ser a favor do
distanciamento social e de medidas restritivas, e no domingo Bolsonaro fez um
passeio pelo comércio de rua em cidades-satélites de Brasília. As imagens pesam
bem mais que palavras lidas no teleprompter em pronunciamentos em cadeia de
rádio e TV.
O tour presidencial fará recrudescer especulações sobre uma
demissão do ministro. O descompasso entre o presidente e Mandetta agrava um
quadro em que o Bolsonaro vive às turras com os governadores. Até um dos mais
próximos, Ronaldo Caiado, de Goiás, importante na indicação de Mandetta, rompeu
com o presidente. A desarticulação de quem precisa organizar com urgência uma
operação de contenção de uma catástrofe num país continental é alarmante, mas
não é a única consequência ruim do passeio.
As imagens confundem a população. O cidadão liga a televisão
e vê o mundo em quarentena, a tragédia já avançada em muitos países. O
presidente pede para que saiam às ruas, mas o governador anuncia que a polícia
coibirá quem descumprir o isolamento. Há contradição no próprio passeio de
domingo: o “isolamento vertical” defendido por Bolsonaro faria com que ele, aos
65 anos, permanecesse em casa.
O presidente joga com a corrida entre qual tragédia terá
efeitos de prazo mais imediato: a escalada da fome nos bolsões mais pobres pela
interrupção da circulação de dinheiro ou a multiplicação de mortes pelo avanço
do vírus.
Há um aspecto cruel nessa dinâmica. A população mais humilde
é a que sofre mais a curto prazo, e de forma mais devastadora, o efeito da
supressão de recursos em circulação. É, também, a que tem menos acesso à
informação para identificar a irresponsabilidade do presidente.
Sair às ruas para “evitar a fome antes de evitar o vírus” é
um falso dilema. O caminho possível para desatar esse nó — reconhecido pelos
demais governantes e pelos economistas — é a injeção de dinheiro nas pessoas e
empresas para suavizar o impacto do necessário isolamento. Possibilidade que
está ao alcance apenas do governo federal.
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