31 de março de 1964, nunca mais
A ditadura militar de 1964 durou 21 longos anos – parte
deles tenebrosos, com a morte e o desaparecimento de 434 pessoas e o
envolvimento de 377 outras, direta ou indiretamente, em práticas de tortura e
assassinato. A tortura a presos políticos e a eventuais inocentes foi adotada
como política de Estado.
A liberdade e o respeito aos direitos humanos foram
suprimidos no país por largo tempo. As garantias individuais, também. A
Constituição foi rasgada e deu lugar a periódicos atos institucionais, o mais
célebre deles o AI-5, que garantiram a continuidade do regime autoritário até
ele se desmanchar.
Há dois dias, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da
República, disse que o golpe de 64, que ele não chama de golpe, é um fato que
“pertence à História”. Se o reconhecesse como um fato positivo o teria dito com
todas as letras, como no passado já disse. Mas seus ex-colegas de farda
insistem em exaltar o feito.
Ordem do dia assinada pelo ministro da Defesa e pelos
comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica a propósito do 56 anos do golpe
completados hoje, confirma que os militares nunca engoliram e talvez jamais
venham a engolir o fato de terem rompido com a legalidade e implantado no país
uma ditadura.
Custa a crer, mas a ordem que será lida e distribuídas em
todos os quarteis afirma que o golpe foi um movimento que representou “um marco
para a democracia”. Como um marco? Marco de quê? Da destruição dos princípios e
valores que distinguem entre um país democrático e outro que não é? Nesse caso
faria sentido.
Faltou um bom redator para dar um trato à nota? Ou o
ministro da Defesa e os comandantes das três armas querem mesmo dizer que um
dos marcos da democracia entre nós foi a intervenção armada que depôs um
presidente eleito pelo povo, substituindo-o por sucessivos generais “eleitos”
por um Congresso emasculado?
Diz a nota que “o Brasil reagiu com determinação às ameaças
que se formavam àquela época”. Uma das utilidades do papel é que ele serve para
que se escreva qualquer coisa… Que Brasil reagiu? As chamadas “forças
produtoras”, a imprensa e parte da classe média assustada, como de hábito,
apoiaram o golpe.
Mas daí generalizar e apresentá-las como se falassem pelo
país… O povo, como em outras ocasiões históricas, uma delas a da Proclamação da
República, a tudo assistiu bestificado. Povo! Como se usa seu santo nome em
vão. Como a palavra povo serve para legitimar medidas que seriam para o seu
próprio bem.
Não há um só líder político, em democracia ou ditadura, que
não encha a boca para dizer que fala em nome do povo. Os mais modestos, se há
algum modesto, diz que fala em nome dos seus eleitores. O presidente Jair
Bolsonaro usa as duas formas de acordo com as conveniências do momento. Pura
enganação.
O ex-presidente Tancredo Neves ensinava que político depois
de eleições não tem mais voto – teve. Passou. A cada dia deveria se lembrar
disso. Se lembrasse, cuidaria melhor do povo para reconquistar os votos que
perdeu desde que o resultado da eleição foi proclamado. Bolsonaro parece não se
dar conta disso.
Da ordem do dia sobre o golpe que inventou o falso “milagre
econômico brasileiro”, um período que na verdade beneficiou os mais ricos em
detrimento dos mais pobres, só é aproveitável o trecho que reafirma que as
Forças Armadas estão “submetidas ao regramento democrático”. No que não fazem
nenhum favor.
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