A sociedade se move. De Manaus a Porto Alegre, incontáveis
voluntários, líderes religiosos, comunitários e empresariais multiplicam a
coleta de alimentos e de kits de higiene para áreas onde o poder público não
alcança, porque delas sempre se manteve distante — salvo nas ações de repressão
policial.
São 74 milhões (37%) de brasileiros sem saneamento, parte
abrigada em imóveis com mais de três por quarto, e a maioria agrupada em
famílias cuja renda oscila no salário mínimo. Estão mais expostos ao vírus.
“Alguns vão morrer? Vão morrer, ué, lamento” — disse Jair
Bolsonaro, semana passada, com a naturalidade de quem lava as mãos e o
distanciamento, talvez consciente, de possíveis cenas de comboios de caixões,
com vítimas da “gripezinha”. A lógica de Bolsonaro é a da campanha pela
reeleição mesmo num cenário devastado pelo medo coletivo: “Nós não podemos
parar a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito por ano,
está certo?”
A maioria reage, mostram pesquisas recebidas no Planalto.
Indicam um presidente em derretimento na própria base. O Datafolha (20/3)
confirma: entre aqueles que assumem ter votado em Bolsonaro, 15% declararam-se
arrependidos.
Não é irreversível, mas é a fotografia eleitoral mais
recente. Isso equivale à perda potencial de 8 milhões de votos sobre os 57
milhões de 2018. A corrosão é visível nos estados, onde governadores têm
aprovação até 30 pontos acima do presidente.
Na raiz está a imprevidência. Um mês atrás (20/2), Bolsonaro
insuflava protestos contra o Congresso e o Supremo, atacava governadores
ameaçados por motins de PMs e calculava eventuais prejuízos à reeleição com
avanço do PIB a 2% no ano.
Enquanto isso, na Alemanha, a conservadora Angela Merkel
organizava um plano emergencial de saúde pública, aumentava gastos e garantias
às dívidas. Na época, o Brasil tinha 14 casos suspeitos, nenhum confirmado.
Hoje, as projeções para o PIB são de -1,7% (Citi), – 2,8% (Safra) e – 3,4%
(Goldman Sachs). Bolsonaro persevera na campanha. Agora caça culpados pelos
próprios erros.
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