A grave crise que o mundo atravessa está forçando os países
a adotar medidas excepcionais para enfrentar
a pandemia e seus efeitos colaterais sobre o emprego e a economia.
Alguns reagiram com coordenação e equilíbrio e retornarão à normalidade passada
a pandemia. No Brasil, no entanto, a reação descontrolada ameaça deixar
um rastro de destruição do qual será difícil nos recuperarmos.
Neste difícil momento, é preciso tanto agilidade quanto
serenidade. A saúde
e a proteção das famílias mais vulneráveis devem ser as nossas
prioridades. Muitas medidas têm sido anunciadas para tratar dos problemas da
população.
Nessas horas, surgem também muitos pedidos oportunistas que
se valem da grave crise para obter benefícios. Todo o cuidado é pouco porque
estamos hipotecando o nosso futuro. Todo
recurso gasto hoje será cobrado nos próximos anos. Chegamos a esta crise
com uma das maiores dívidas públicas entre todos os emergentes, o que quer
dizer que sairemos ainda mais fragilizados. E essa dívida terá que ser paga por
nós e nossos filhos. Não será fácil.
Estamos
mais pobres; todos nós. Alguns, porém, demasiadamente expostos ao flagelo
da falta de renda e de assistência. Esses devem ser a imediata preocupação das
políticas emergenciais.
Empresas de todos os tamanhos estão assistindo a uma queda
vertiginosa das suas receitas, enquanto suas despesas permanecem elevadas, a
menos que demitam trabalhadores. Não queremos isso. Muitas
terão prejuízos significativos nos próximos meses e vão ter que
utilizar os seus recursos, se ainda os tiverem, para honrar as suas obrigações
e sobreviver.
Cabe à política pública auxiliar as pequenas
e médias empresas, que têm maior dificuldade em apresentar garantias para
conseguir crédito, desde que preservem o emprego. É fundamental, por outro
lado, remunerar ou pagar aquelas empresas que continuam a oferecer seus bens e
serviços, apesar da adversidade.
Essas políticas devem, neste momento, ser financiadas com o
aumento da dívida, que deverá começar a ser equacionada apenas após o fim da
grave crise, com a volta da normalidade.
Devemos ter cuidado com as propostas mirabolantes, como se o
poder da caneta resolvesse os problemas de todos. Vendem ilusões.
Deixar
de pagar aluguéis pode parecer uma boa ideia. Mas e os proprietários que
dependem dessa renda para sua sobrevivência? Não pagar contas de luz e
telefonia parece fazer o bem para muitos. Mas o que ocorrerá se os fornecedores
desses serviços entrarem em dificuldades insolúveis?
Permitir que alguns não paguem suas obrigações beneficia os
favorecidos em detrimento dos seus fornecedores, que vão enfrentar dificuldades
ainda maiores, afinal não estão sendo pagos pelos serviços já realizados. A
cada um que deixa de pagar o que deve, corresponde outro que deixa de receber.
Liminares têm sido concedidas para empresas terem seus aluguéis
reduzidos com a justificativa de “desequilíbrio financeiro na relação
contratual”. Outras decisões judiciais determinam o fechamento de fábricas. Na
ausência de coordenação das ações, o Judiciário opta por tomar medidas sem a
avaliação técnica das suas justificativas ou das suas consequências.
Moratórias generalizadas autorizadas por leis ou decisões
judiciais podem gerar reações em cadeia e comprometer permanentemente o mercado
de crédito e a atividade econômica.
Propor que quem não produz deve continuar a receber como
antes, e que quem trabalha, empresta e produz não deve ser pago pelos serviços
prestados será a rota da nossa destruição.
Impor novas obrigações às empresas, como empréstimos
compulsórios ou aumentos da tributação, é condenar muitas delas à falência e ao
aumento do desemprego. Nenhum país dos 43 catalogados que enfrentaram essa
crise aumentou impostos. E não o fizeram por boas razões. Nesta fase, cabe ao
poder público auxiliar na preservação do setor privado, não o fragilizar ainda
mais.
As medidas que adotarmos nesta difícil fase repercutirão por
muitos anos. Se agirmos com irresponsabilidade, diremos àqueles que investem:
vocês erraram ao fazê-lo.
É preciso lembrar que a crise passa. Mas, se
destruirmos muitas de nossas empresas, haverá menos produção, emprego e
renda quando a pandemia for controlada. Medidas oportunistas ou pouco
refletidas a respeito de suas consequências trariam impactos permanentes sobre
a confiança no país e as instituições econômicas. Sairíamos ainda mais pobres
do que estamos agora.
Há muitos anos, crescemos pouco e muitas empresas já
desistiram do nosso país em razão das muitas medidas oportunistas adotadas no
passado.
É preciso cuidar
do emprego agora e do emprego futuro. É preciso cuidar da renda agora e da
renda futura. É preciso cuidar dos vulneráveis. E é preciso evitar o populismo
que promete o paraíso e entrega a desolação.
O Brasil já desperdiçou demasiadamente seu passado com
medidas oportunistas. Esta grave crise nos acomete em meio a muitas desavenças
entre os Poderes. Devemos superá-las. Há dificuldades urgentes a serem
enfrentadas. Insistir em disputas miúdas apenas nos levará ao fracasso como
nação.
O país nos pede responsabilidade, serenidade, urgência e
união. Precisamos atentar para as muitas necessidades do presente, assim como
devemos cuidar do futuro.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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