Desde antes de sua posse, o presidente Bolsonaro é
assessorado (ou melhor, "aceçorado"!) por um grupo ideológico que
continua escondido nos porões do palácio.
A desastrada mensagem à nação (24/3), que destruiu parte
importante do respeito que lhe tinha a sociedade, foi obra desse tumor maligno
que trabalhou à socapa e surpreendeu até os palacianos.
Para verificar a sua inconsequência, basta mostrar o que ele
mesmo disse, na terça-feira, 17/3, ao encaminhar a mensagem nº 93 ao Congresso
para que este reconhecesse a "necessidade de um estado de calamidade
pública" em decorrência da pandemia da Covid-19 declarada pela
Organização Mundial da Saúde: "O desafio para as autoridades
governamentais em todo o mundo, além das evidentes questões de saúde pública,
reside em ajudar empresas e pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis à
desaceleração do crescimento econômico, a atravessar este momento
inicial".
A resposta do Congresso ao seu apelo foi pronta e segura. Na
quinta-feira, 19/3, o Senado aprovou, por unanimidade, a proposta do projeto de
decreto legislativo nº 88, da Câmara. Deu ao Executivo os graus de liberdade
pedidos, submetendo-o ao necessário controle de uma comissão parlamentar para
que a expansão dos gastos não contamine o Orçamento em vigor. Usando-o, o
Executivo emitiu, no domingo, 22/3, a rápida e malfeita Medida Provisória 927.
Uma barbeiragem gigantesca, que obrigou o presidente a revogar, no dia
seguinte, o seu artigo 18, que previa a possibilidade de suspender contratos de
trabalho sem nenhuma remuneração ao trabalhador. Um evidente disparate.
Qual será o custo do enfrentamento da pandemia no Brasil?
Ninguém pode responder, diante das incertezas das ações humanas somadas aos
caprichos da dinâmica da evolução epidemiológica. Isso é irrelevante diante da
absoluta necessidade moral de reduzirmos ao mínimo, com estratégias
empiricamente testadas, o número de óbitos. Quem vai pagá-lo? Não é o governo,
mas todos nós, a sociedade organizada que criou o Estado (que não gera
recursos, só pode transferi-los) exatamente com esse objetivo: coordenar ações
de todos no enfrentamento de tragédias como a que estamos vivendo.
Ao final e ao cabo, como sempre, todos pagaremos pelo
empobrecimento geral, proporcionalmente à nossa situação de vulnerabilidade,
exatamente como numa guerra. O Brasil nunca mais será o mesmo.
Terá de repensar a volta do seu crescimento com maior
aumento da igualdade de oportunidades e ênfase total na perspectiva de aumento
do acesso geracional de seus cidadãos. A crise talvez seja uma oportunidade
civilizatória.
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de
“O Problema do Café no Brasil”.
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