Defensor do isolamento parcial, Jair Bolsonaro está
politicamente isolado. Discursos e atitudes insanas, que ameaçam a já limitada
capacidade do país de enfrentar a devastação do coronavírus, receberam o
repúdio dos governadores.
O Congresso substituiu o Executivo inoperante ao aprovar o
projeto de lei —ainda não sancionado— que garante renda mensal de R$ 600 aos
mais pobres entre os pobres. Além do vice, Mourão, os ministros Guedes e Moro
se distanciaram do chefe ao apoiar as posições do colega Mandetta em relação à
quarentena.
A entrevista coletiva armada na segunda-feira (30) para
mostrar ao titular da Saúde qual é a cadeia de comando no combate à Covid-19
não foi conduzida pelo presidente, mas pelo chefe da Casa Civil, um general.
Empresários importantes, abandonando a prudência que costuma
fazê-los buscar o regaço do governismo, não escondem ter perdido a confiança
inicial no “Posto Ipiranga” da economia. O Twitter e o Facebook apagaram
mensagens das contas de Bolsonaro por suas falsidades sobre a pandemia.
No exterior, seu comportamento literalmente singular provoca
espanto e chacota. Disparates de sua lavra foram desmentidos pelo diretor-geral
da Organização Mundial da Saúde. O tiro na mosca partiu de Ian Bremmer, o
número 1 da Eurasia, influente empresa de consultoria de negócios. “Comparado a
Bolsonaro”, fulminou, “Trump parece um Churchill”.
Os americanos chamam de pato manco o presidente em final de
mandato. Com o sucessor já eleito, o poder lhe escapa, só lhe resta limpar as gavetas
de seu gabinete e oferecer aos visitantes, cada vez mais raros, o café frio
servido pela copeira.
Com pouco mais de um ano no Planalto, Bolsonaro é um pato
manco precoce. Precisaria muito mais do que a morna fala fingida desta
terça-feira (31) na televisão a fim de reaver o crédito das lideranças
políticas, o respeito de seus ministros e o apoio da opinião pública não tomada
pelo fanatismo. Para isso, teria que vencer a cláusula pétrea dos seus traços
mais autênticos —ignorância e truculência.
O Brasil vive a inédita experiência de um presidencialismo
sem presidente. Em circunstâncias normais, Bolsonaro estaria com os dias
contados. Mas, na crise sanitária que só está começando, todos os esforços
estão dirigidos a reduzir seu impacto, medido em vidas e privações. Uma comoção
pública é tudo o que não convém provocar numa hora dessas.
Ainda assim, as lideranças políticas estão fazendo seus
cálculos. Que encontrem a fórmula de assegurar estabilidade política,
preservando as liberdades civis e as regras democráticas. Pois a saída será
pela direita.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de
ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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