Por breves sete minutos e quatro segundos, na noite de
terça-feira (31), o Brasil parecia ver o esboço de um presidente capaz de
conduzi-lo em meio à imensa crise sanitária e econômica por que passa.
Foi essa a duração do discurso
de Jair Bolsonaro em rede nacional, o nono de sua gestão e quarto desde o
início da pandemia do coronavírus. Nele, foi ponderado, razoável e objetivo,
adjetivos não comumente associados ao mandatário, a suas falas ou ações.
Chamou a atenção não só pelo que disse, mas pelo que deixou
de dizer. Não houve espaço para as sandices de outrora, como classificar de
gripezinha ou resfriadinho uma doença do impacto e da magnitude da Covid-19.
Não houve, igualmente, menção positiva à data em que o
discurso era proferido, os 56 anos do golpe militar de 1964, que deu início a
duas décadas de uma ditadura vil, em que milhares foram presos e torturados, e
centenas, assassinados.
Nem mesmo a imprensa, alvo recorrente de ataques, foi
lembrada.
No lugar, um irreconhecível Bolsonaro disse estarmos “diante
do maior desafio de nossa geração” e acenou aos outros Poderes e aos governadores,
com os quais vinha se atritando, ao exortar o país a buscar “grande pacto de
preservação da vida e dos empregos”.
Mesmo ao falar de polêmicas recentes, como as recomendações
da Organização Mundial da Saúde e a droga hidroxicloroquina, foi equilibrado.
Quanto ao primeiro caso, à diferença do que fizera ao longo do dia, não
distorceu o que disse o diretor-executivo da entidade, mas selecionou trechos
em apoio de seu argumento: pensar igualmente em salvar vidas e empregos.
Sobre o segundo, adotou o tom de cautela e esperança que se
exige ao tratar de um remédio ainda não devidamente testado.
Foi um sopro de normalidade de um presidente que se torna a
cada dia um pária mundial por declarações e atos destrambelhados —e, no limite,
criminosos. Infelizmente, a esperança durou pouco.
Minutos após terminar o pronunciamento, Bolsonaro publicou
em suas redes sociais elogios à ditadura. Menos de 12 horas depois, voltou a
criticar as medidas de isolamento recomendadas pela OMS e adotadas pelo mundo
inteiro.
Reclamou dos governadores e espalhou fake news, agora sobre
um desabastecimento no Ceasa de Belo Horizonte que não houve.
De fato, o Brasil passa pelo desafio de uma geração —a dos
confinados, que têm de pagar as contas no fim do mês; a de seus filhos,
isolados em casa; a dos idosos, privados do convívio familiar e social; a dos
empobrecidos pela quarentena; a dos que vivem em condições subumanas em
favelas.
Precisa-se de um estadista como o ex-premiê Winston
Churchill, que dirigindo-se aos britânicos durante a Segunda Guerra disse que
só tinha a oferecer “sangue, labuta, suor e lágrimas” —e conduziu seu país a
uma vitória improvável.
Na falta de algo remotamente parecido, que ao menos o Brasil
contasse com o presidente do discurso de terça à noite. Infelizmente, aquele
era a exceção; o que voltou à ativa nas horas seguintes, a regra.
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