Idealmente, a ciência informa as decisões dos políticos e
não é influenciada por eles. Gestores só adotariam medidas que já tivessem sido
testadas em pesquisas e jamais interfeririam no trabalho de cientistas.
No mundo real as coisas são mais confusas. Não é que
governantes nunca ouçam especialistas, mas frequentemente preferem fazer aquilo
que acreditam que aumentará sua popularidade ou apenas seguem seus caprichos. A
política também afeta a ciência por vários canais, dos mais concretos, como a
disponibilidade de verbas, aos mais sutis, como a ideologia.
Como essas considerações se aplicam à cloroquina? Em março,
quando o presidente Bolsonaro se tornou um entusiasta do medicamento no combate
à Covid-19, sua posição não era absurda. Havia uma hipótese teórica para
explicar sua possível ação e alguns poucos trabalhos (de má qualidade, é
verdade) a sugerir eficácia.
A partir daí, a ciência fez o que tinha de fazer. Deu início
a vários programas de teste, cujos resultados estão saindo. Sem surpresa, vai
se constatando que a droga não funciona contra a nova moléstia. Um purista
poderia argumentar que ainda falta uma boa metanálise para derrubar a última
esperança na cloroquina, mas já há elementos de sobra para recomendar que ela
não seja distribuída a grandes populações. Os riscos dos efeitos colaterais
superam os cada vez mais improváveis benefícios.
Insistir no uso da cloroquina deixou de ser uma posição racional para converter-se numa opção ideológica. Que pessoas façam isso é da vida. Mas, quando governos tentam determinar o que a ciência diz, as consequências podem ser catastróficas. Há quem atribua o fracasso econômico da URSS em parte à figura de Trofim Lysenko, o manda-chuva da área biológica que, por razões ideológicas, militava contra a genética mendeliana. Ela seria antissocialista. Sem genética, a agricultura soviética ficou para trás.
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