Quase todas as pesquisas de opinião no Brasil,
independentemente do instituto ou da metodologia utilizada, apontam a mesma
tendência. O sentimento mais poderoso que existe no Brasil, com trajetória
ascendente, não é o bolsonarismo, e muito menos o petismo. O presidente e seu
antecessor contam com taxas de aprovação relativamente estáveis ao longo do
último ano.
É o antibolsonarismo que se desenvolve, ainda sem auferir
capital a ninguém na oposição ao atual governo. É uma onda por ora sem
beneficiários. Existe, de forma cada vez mais nítida, uma demanda de opinião
pública a ser atendida por quem se habilitar.
Talvez seja equivocado dizer que há espaço para o tal
“centro”. Há uma brecha para se desenvolver uma candidatura que signifique o
repúdio a Bolsonaro e a Lula simultaneamente, o que é diferente de estar no
meio do espectro ideológico.
A pesquisa XP/Ipespe, por exemplo, que foi divulgada
anteontem, mostra uma queda horizontal em relação ao presidente: o repúdio a
Bolsonaro cresceu na segunda quinzena de abril em todos os segmentos,
independentemente da faixa de renda, da religião, do sexo, da escolaridade, da
região do país.
A rejeição avança conforme o coronavírus avança. O
percentual de pessoas que conhece alguém afetado pela pandemia passou de 2%
para 31% entre março e maio. O de quem teve impacto na situação financeira
saltou de 26% para 56%. Há dois meses 21% se diziam com muito medo da pandemia.
Agora são 43%.
Isso tudo mesmo levando em conta que 34% dos pesquisados já
receberam o benefício de R$ 600 do governo e que 14% acreditam que ainda vão
receber. Os programas para garantir a sobrevivências básica da população, ainda
que garantam em determinados segmentos um salto importante de renda, como por
exemplo entre os beneficiários do Bolsa Família, não estão por ora servindo de
anteparo.
Os levantamentos por “tracking” da Idea Big Data mostram
alguma nuance. A Idea Big Data realizou levantamentos quantitativos específicos
fora dos grandes centros urbanos nortistas e nordestinos.
Bolsonaro teria perdido nas últimas semanas oito pontos percentuais de apoio no
Sul e no Sudeste, mas a queda foi amortecida, ainda que suavemente, por um
crescimento de 2 a 3 pontos percentuais no Norte e no Nordeste.
O saldo final é que Bolsonaro está deixando de ter o apoio
de um terço da população e caminhando para ficar com um quarto, panorama que
seria mais agudo sem o auxílio emergencial.
“A rejeição a Bolsonaro cresce mais onde o repúdio ao PT é
grande, abrindo espaço para uma liderança que seja ao mesmo tempo
antibolsonarista e antipetista”, diz o economista Mauricio Moura, que dirige o
Idea. Para ele, no Sul e no Sudeste não é o avanço da pandemia que corroeu
Bolsonaro. Foi a demissão dos seus ministros mais populares, sobretudo Sergio
Moro, que estava na Justiça.
No Nordeste e no Norte, a recuperação bolsonarista aparece
em alguns bolsões no interior, onde a ajuda dos R$ 600 pesa mais do que nas
capitais. É um eleitor que está abandonando o petismo, outra notícia ruim para
os aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além de desastrosa, a
frase de Lula sobre o lado bom do surgimento do coronavírus, da qual ele já se
desculpou, é equivocada do ponto de vista político. Lula perde, e muito, com a
pandemia.
O ligeiro crescimento bolsonarista sangra o petismo, mas não
compensa, nem de longe, a perda de substância do presidente nos grandes
centros. Pelo menos ainda.
E fica estabelecido para o presidente um dilema: para
Bolsonaro trocar sua base de apoio, e passar a ser um candidato dos pobres e
não das classes médias, como aconteceu com Lula em 2006, ele precisa ir muito
além. “Em Codó, no interior do Maranhão, 8 em cada 10 entrevistados acreditam
que o benefício de R$ 600 é permanente. Não sabem que é temporário”, comenta
Moura.
A manutenção da política de Paulo Guedes é incompatível com
uma estratégia de contenção da perda de popularidade bolsonarista. Fica
estabelecido um dilema. Se o benefício for diminuído de R$ 600 para R$ 200,
como sugeriu anteontem o ministro, o impacto disso na popularidade de Bolsonaro
é óbvio demais para ser demonstrado.
Sem uma guinada populista clara na política econômica, o presidente terá muitas
dificuldades no jogo sucessório em 2022, partindo da premissa de que não haverá
uma interrupção das regras legais.
Mandando a austeridade econômica às favas, é desnecessário
demonstrar como o mercado financeiro reagiria e seu declínio no Sul/Sudeste
pode se acentuar. Bolsonaro tem duas opções, as duas ruins para seu projeto
político.
Para sedimentar o Bolsonaro pai dos pobres, é preciso ir
muito além.
“Ainda não está caracterizado um realinhamento do eleitorado
semelhante ao que aconteceu em 2006”, quando Lula se reelegeu, opinou o
cientista político André Singer, professor da USP e ex-secretário de
Comunicação Social no governo petista. “Não dá para falar que com uma guinada
na política econômica o realinhamento seria automático, mas sem essa mudança, ele
não tem como se dar. É uma condição necessária, mas não suficiente”, disse.
Para o dono do Ipespe, Antonio Lavareda, o problema que
Bolsonaro enfrenta é muito mais complexo. Não se trata apenas do fato de a
percepção de sua política econômica ser ruim. “A pandemia reverteu a tendência
de influência declinante da imprensa. Todo mundo está buscando informação muito
mais do que antes. De modo que o impacto de um noticiário negativo em relação
ao comportamento dele na pandemia tornou-se demolidor”, disse.
Segundo Lavareda, 58% da população reprova o comportamento de Bolsonaro na pandemia. E a pandemia cada vez mais é uma espécie de tema único na sociedade. A tendência é que a curva de desaprovação do governo se aproxime deste percentual. Ou seja: ainda há mais abismo para o presidente cair.
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