Todo mundo mente nesse mundo. Quando a gente é criança,
mesmo que ninguém nos ensine a mentir, a gente mente. Às vezes, por motivos até
louváveis, como livrar a cara de um amigo ameaçado por meninos da turma da
namorada recém-conquistada. Outras, para contar vantagens inconsequentes, como
na qualificação exagerada do pai ou de um tio. Pode-se mentir também por
excesso de imaginação, impossível de ser contida.
Na minha infância, em Maceió, uma senhora negra tomava conta
dos filhos de meus pais, narrando estórias maravilhosas para nos fazer dormir.
A mim, por exemplo, Bazinha me contava as aventuras do Zumbi dos Palmares que,
entre outras virtudes empolgantes, sabia voar, lá pela Serra da Barriga, perto
de nossa cidade. Mais tarde, lendo de Monteiro Lobato a Ariano Suassuna, acabei
verificando decepcionado que alguns heróis desses autores contavam estórias
mais audaciosas que as da Bazinha. Isso para não falar dos livros de João
Ubaldo Ribeiro, que li muito mais tarde, claro.
A mentira é uma característica da civilização humana e
nasceu com a própria Gênesis, quando Adão e Eva tentaram iludir o Senhor, sobre
terem experimentado do fruto proibido. Ou, que me desculpem a ousadia, quando o
próprio Senhor ordenou a Abraão que sacrificasse, à sua glória, o filho Isaac.
E era apenas uma prova de fé. Dentro ou fora de Livros Sagrados, em louvor ou
não de deuses e senhores de nossas almas, a mentira se estabeleceu na cultura
humana, como uma característica dela e só dela. Você já encontrou algum animal
mentiroso? Nenhum deles é capaz de mentir. Só nós.
Como tudo que é humano, a mentira serve ao bem e ao mal,
depende de quem e para o quê a utiliza. Foi impulsionado pela mentira
organizada que Adolf Hitler se impôs ao povo alemão. Quando alguns de seus
colaboradores se recusaram a apoiar o projeto de guerra para ocupação da
Europa, militantes nazistas trataram de espalhar que a esposa do general
Blomberg, ministro da Guerra e principal opositor ao plano guerreiro, tinha
sido prostituta e que a mãe dela fora dona de um puteiro.
Até meados da Segunda Guerra Mundial, Hitler nunca teve o
Exército que proclamava ter, enganando o mundo e o próprio povo alemão com
exibições falsas e falsos desfiles em que soldados e equipamentos de guerra se
repetiam. Na verdade, a anexação dos sudetos, as incorporações da Renânia e da
Áustria, assim como o desmantelamento da Tchecoslováquia, preliminares da
Guerra, não tinham sido propriamente vitórias militares, como Hitler afirmava
para convencer os alemães de sua força e de seu poder. Foi com mentiras
sucessivas, como essas, que Hitler desmantelou toda a estrutura democrática da
Alemanha. E, com elas, quase faz a suástica cobrir o continente europeu
inteiro.
Esse uso esperto da mentira, criada com certa astúcia, é a
mesma estratégia usada pelos bolsonaristas no Brasil. Além de afastar de perto
dos fatos políticos perigosos democratas, atropelando-os ou simplesmente
desmoralizando suas decisões, os militantes brasileiros do autoritarismo armado
e mentiroso se dedicam à fabricação inesgotável de fake news. Chegaram a
anunciar, por redes sociais, que os caixões que vemos serem enterrados pelo
Brasil afora, fazendo sofrer tanta gente, estão vazios ou carregados de pedras.
O desfile de caixões serve apenas para agravar as consequências irrelevantes da
“gripezinha”.
De tanto se dedicar às porradas inconsequentes e às
picuinhas tão vazias sobre o governador de São Paulo, Bolsonaro acabou se
tornando o cabeça de ponte no lançamento da candidatura de João Doria, para
2022. Ninguém melhor para promovê-lo. O que mais nos confunde é que a ideologia
do PR não tem muita tradução lógica em seus atos. Agora mesmo, ele vetou, mais
uma vez, a proteção ao audiovisual brasileiro na televisão paga, pois isso nos
prejudicaria a sorte que temos de assistir às formidáveis obras estrangeiras
(sobretudo americanas) que elas, as emissoras, nos oferecem diariamente. Um
gesto de extremo “globalismo”, realizado por um político que não perde a
oportunidade de se declarar antiglobalista. E aí, Olavo de Carvalho, você não
vai se manifestar? Ou o guru talvez esteja se reservando para a estranha defesa
da cloroquina, um milagroso remédio para a Covid-19, praticamente vetado por
todos os médicos do mundo.
O organizado serviço de fake news, em todas as redes sociais, promovendo desprezo e desrespeito pela ciência, parece uma campanha sem direção. Não havendo um centro de discussão, nem um alvo iluminado para onde se destina, só existe a trajetória e, portanto, o desejo de crise, estado humano que se caracteriza pela possibilidade de várias alternativas propulsoras. Apenas o capricho do poder.
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