A pandemia da covid-19 fez a incerteza disparar no Brasil e
no mundo, com os indicadores criados para medir o grau de indefinição na
economia superando em muito recordes anteriores. A combinação de uma crise de
saúde com a paralisação da atividade global provocou um choque de
imprevisibilidade sem precedentes.
Por aqui, soma-se a esse cenário os conflitos e ruídos
causados pelo presidente Jair Bolsonaro, uma máquina de produzir incertezas
desde o início de sua gestão. É um fator de peso a conspirar contra a
recuperação da economia quando houver o abrandamento das medidas de isolamento
social. Níveis elevados de incerteza atrapalham especialmente o investimento,
que depende de um horizonte previsível.
O Indicador de Incerteza da Economia (IIE) da Fundação
Getulio Vargas (FGV) alcançou em abril 210,5 pontos, o nível mais alto da
série. Em dois meses, subiu mais de 95 pontos. Antes dos recordes de março e
abril, o patamar máximo anterior, de 136,8 pontos, tinha sido atingido em
setembro de 2015, mês em que a agência de classificação de risco Standard and
Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento do Brasil.
A imprevisibilidade também superou marcas históricas no
exterior. O índice de incerteza de política econômica dos EUA bateu o recorde
em março, ao atingir 425,9 pontos, bem acima dos 284,1 pontos do pico anterior,
de janeiro de 2019. Em abril, o indicador cedeu um pouco, mas seguiu
elevadíssimo, em 400,7 pontos. O índice foi criado em 2011 por Nicholas Bloom,
da Universidade Stanford, Steven Davis, da Universidade de Chicago, e Scott
Baker, da Universidade Northwestern. Estudiosos do tema, os três mostram em
seus trabalhos a influência da imprevisibilidade sobre o investimento, a
produção e o emprego. Eles desenvolveram indicadores para mais de 20 países,
entre eles o Brasil, baseados na varredura de notícias na imprensa relacionadas
à incerteza econômica. O IIE da FGV,, por sua vez, tem dois componentes. O de
mídia, com peso de 80%, se baseia na frequência de notícias com menção à
incerteza em meios de comunicação impressos e on-line. O de expectativa busca
medir a indefinição relacionada a previsões do mercado em relação a câmbio,
juros e inflação, com peso de 20%.
No mês passado, Bloom, Davis, Baker e Stephen Terry, da
Universidade de Boston, publicaram um estudo sobre a incerteza provocada pela
pandemia. Segundo eles, a doença criou um enorme choque de imprevisibilidade,
maior do que o associado à crise financeira de 2008 e 2009 e mais próximo em
magnitude ao que ocorreu durante a Grande Depressão de 1929 a 1933. Para
avaliar esse aumento maciço da incerteza em tempo real, eles usaram medidas de
volatilidade no mercado de ações, de incerteza econômica baseada em notícias da
imprensa e respostas a pesquisas sobre a percepção do tema pelas empresas. O
exercício indica uma contração do PIB dos EUA de 9% no segundo trimestre em
relação ao mesmo período do ano passado, atingindo uma retração máxima de 11%
nessa base de comparação no quarto trimestre de 2020. Mais da metade desse
tombo se deve à incerteza econômica induzida pela doença, de acordo com eles.
Para atenuar os efeitos negativos do choque sobre a economia,
bancos centrais e governos têm adotado medidas para garantir a liquidez dos
mercados e ajudar consumidores e empresas, que sofrem com a abrupta queda de
renda e de receita. Essa estratégia, se bem sucedida, terá um papel relevante
para reduzir a incerteza e contribuir para a recuperação da economia quando o
isolamento for relaxado. É difícil, porém, acreditar numa retomada rápida. É
provável que famílias e empresas sigam cautelosas, num cenário em que medidas
de confinamento poderão ser retomadas de modo intermitente, a depender do grau
de contágio.
No Brasil, o auxílio emergencial de R$ 600 para informais
começou a ser pago, mas há reclamações de trabalhadores que em tese têm direito
ao benefício e não o receberam. O maior problema, contudo, é fazer o crédito
chegar em maior volume e com maior fluidez a micro e pequenas empresas. Depois
da hesitação inicial, a equipe econômica tem buscado agir, mas ainda há
correções a serem feitas. Há ainda a importante atuação do Banco Central (BC),
reduzindo os juros e provendo liquidez, por exemplo.
Quem joga contra e aumenta a incerteza é Bolsonaro. No meio
da pandemia, ele minimiza a gravidade da doença e faz seguidos apelos para o
abrandamento da quarentena, contrariando a recomendação da maior parte dos
especialistas e a decisão de muitos governadores e prefeitos. Para completar,
trocou o ministro da Saúde durante a crise sanitária. O rompimento com Sergio
Moro, que pediu demissão do governo, provocou uma grave crise política. Há
ainda os constantes atritos com o Congresso e o Judiciário. Fonte de conflitos,
Bolsonaro contribui para manter a incerteza elevada, prejudicando a economia,
que pode encolher 5% ou mais neste ano. Isso aumenta a probabilidade de uma
recuperação lenta depois que a quarentena for relaxada.
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