segunda-feira, 4 de maio de 2020

A MÁQUINA DE PRODUZIR INCERTEZAS

Sergio Lamucci, Valor Econômico
A pandemia da covid-19 fez a incerteza disparar no Brasil e no mundo, com os indicadores criados para medir o grau de indefinição na economia superando em muito recordes anteriores. A combinação de uma crise de saúde com a paralisação da atividade global provocou um choque de imprevisibilidade sem precedentes.
Por aqui, soma-se a esse cenário os conflitos e ruídos causados pelo presidente Jair Bolsonaro, uma máquina de produzir incertezas desde o início de sua gestão. É um fator de peso a conspirar contra a recuperação da economia quando houver o abrandamento das medidas de isolamento social. Níveis elevados de incerteza atrapalham especialmente o investimento, que depende de um horizonte previsível.
O Indicador de Incerteza da Economia (IIE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) alcançou em abril 210,5 pontos, o nível mais alto da série. Em dois meses, subiu mais de 95 pontos. Antes dos recordes de março e abril, o patamar máximo anterior, de 136,8 pontos, tinha sido atingido em setembro de 2015, mês em que a agência de classificação de risco Standard and Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento do Brasil.
A imprevisibilidade também superou marcas históricas no exterior. O índice de incerteza de política econômica dos EUA bateu o recorde em março, ao atingir 425,9 pontos, bem acima dos 284,1 pontos do pico anterior, de janeiro de 2019. Em abril, o indicador cedeu um pouco, mas seguiu elevadíssimo, em 400,7 pontos. O índice foi criado em 2011 por Nicholas Bloom, da Universidade Stanford, Steven Davis, da Universidade de Chicago, e Scott Baker, da Universidade Northwestern. Estudiosos do tema, os três mostram em seus trabalhos a influência da imprevisibilidade sobre o investimento, a produção e o emprego. Eles desenvolveram indicadores para mais de 20 países, entre eles o Brasil, baseados na varredura de notícias na imprensa relacionadas à incerteza econômica. O IIE da FGV,, por sua vez, tem dois componentes. O de mídia, com peso de 80%, se baseia na frequência de notícias com menção à incerteza em meios de comunicação impressos e on-line. O de expectativa busca medir a indefinição relacionada a previsões do mercado em relação a câmbio, juros e inflação, com peso de 20%.
No mês passado, Bloom, Davis, Baker e Stephen Terry, da Universidade de Boston, publicaram um estudo sobre a incerteza provocada pela pandemia. Segundo eles, a doença criou um enorme choque de imprevisibilidade, maior do que o associado à crise financeira de 2008 e 2009 e mais próximo em magnitude ao que ocorreu durante a Grande Depressão de 1929 a 1933. Para avaliar esse aumento maciço da incerteza em tempo real, eles usaram medidas de volatilidade no mercado de ações, de incerteza econômica baseada em notícias da imprensa e respostas a pesquisas sobre a percepção do tema pelas empresas. O exercício indica uma contração do PIB dos EUA de 9% no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo uma retração máxima de 11% nessa base de comparação no quarto trimestre de 2020. Mais da metade desse tombo se deve à incerteza econômica induzida pela doença, de acordo com eles.
Para atenuar os efeitos negativos do choque sobre a economia, bancos centrais e governos têm adotado medidas para garantir a liquidez dos mercados e ajudar consumidores e empresas, que sofrem com a abrupta queda de renda e de receita. Essa estratégia, se bem sucedida, terá um papel relevante para reduzir a incerteza e contribuir para a recuperação da economia quando o isolamento for relaxado. É difícil, porém, acreditar numa retomada rápida. É provável que famílias e empresas sigam cautelosas, num cenário em que medidas de confinamento poderão ser retomadas de modo intermitente, a depender do grau de contágio.
No Brasil, o auxílio emergencial de R$ 600 para informais começou a ser pago, mas há reclamações de trabalhadores que em tese têm direito ao benefício e não o receberam. O maior problema, contudo, é fazer o crédito chegar em maior volume e com maior fluidez a micro e pequenas empresas. Depois da hesitação inicial, a equipe econômica tem buscado agir, mas ainda há correções a serem feitas. Há ainda a importante atuação do Banco Central (BC), reduzindo os juros e provendo liquidez, por exemplo.
Quem joga contra e aumenta a incerteza é Bolsonaro. No meio da pandemia, ele minimiza a gravidade da doença e faz seguidos apelos para o abrandamento da quarentena, contrariando a recomendação da maior parte dos especialistas e a decisão de muitos governadores e prefeitos. Para completar, trocou o ministro da Saúde durante a crise sanitária. O rompimento com Sergio Moro, que pediu demissão do governo, provocou uma grave crise política. Há ainda os constantes atritos com o Congresso e o Judiciário. Fonte de conflitos, Bolsonaro contribui para manter a incerteza elevada, prejudicando a economia, que pode encolher 5% ou mais neste ano. Isso aumenta a probabilidade de uma recuperação lenta depois que a quarentena for relaxada.
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