segunda-feira, 4 de maio de 2020

MARCHA DOS COVARDES

Editorial Folha de S.Paulo
No domingo (3), Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, numa sucessão de eventos que infelizmente se tornam habituais no Brasil, um punhado de celerados se reuniu em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, para defender, entre outras coisas, o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e uma intervenção militar.
Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro achou por bem juntar-se aos manifestantes e gritar palavras de ordem que os legitimam. Ele sabe que as bandeiras afrontam a Constituição, mas não se importa. É o agitador de sempre, o antiestadista, o eterno deputado medíocre do baixo clero.
De novo, entre as sandices proferidas pelo atual ocupante do cargo máximo do Executivo brasileiro, estavam ataques ao jornalismo. A prática de Bolsonaro é macaqueada de seu inspirador norte-americano, Donald Trump, que já definiu a imprensa norte-americana como “inimiga do povo”, uma expressão popularizada, ironia das ironias, pelo ditador comunista Josef Stálin na União Soviética.
Palavras têm consequências. Mais ainda se ditas e repetidas por líderes políticos.
No mesmo ato de domingo, um repórter-fotográfico do jornal O Estado de S. Paulo e o motorista que o ajudava na cobertura foram agredidos com chutes (pelas costas), murros e empurrões. Profissionais da TV Globo, do portal Poder 360 e desta Folha também sofreram ataques físicos ou verbais.
Algo semelhante havia ocorrido no dia anterior em Curitiba, durante o depoimento do ex-ministro da Justiça Sergio Moro na sede da Polícia Federal, a partir de acusações que implicam o presidente em crimes de responsabilidade.
Bolsonaristas que antes inflavam balões com o rosto do ex-juiz agora o ofendiam com impropérios —e atacavam a imprensa. Um cinegrafista de uma afiliada da TV Record teve a câmera empurrada.
Ao saber do ocorrido no domingo, Bolsonaro respondeu: “Pessoal da Globo vem aqui falar besteira. Essa TV foi longe demais”.
A fala infelizmente é coerente com a prática. Levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostra que nos primeiros quatro meses de 2020 o presidente investiu contra a imprensa 179 vezes, 38 delas só em abril.
O protesto do fim de semana teve como gatilho uma decisão de ministro do STF que impediu Bolsonaro de nomear um apaniguado como diretor-geral da Polícia Federal, que investiga Bolsonaro e família. Trata-se do sistema de freios e contrapesos de um regime democrático em funcionamento.
Uma imprensa livre e independente faz parte desse sistema. Ela seguirá vigilante, apesar das agressões da marcha dos covardes.
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