quinta-feira, 7 de maio de 2020

A PERGUNTA

Editorial O Estado de S.Paulo

Por que o presidente Jair Bolsonaro queria tanto trocar o superintendente da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro, como informou, em depoimento, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro?

Essa pergunta, que agora consta oficialmente em inquérito policial, terá de ser respondida pelo presidente Bolsonaro mais cedo ou mais tarde. Melhor para o País que seja mais cedo, para que fiquem logo afastadas as suspeitas de que o presidente pretendia interferir na estrutura da PF, em especial no Rio de Janeiro, Estado que concentra seus interesses políticos e familiares, ora expostos em investigações constrangedoras para o clã presidencial.

A Polícia Federal é órgão subordinado ao Ministério da Justiça, que por sua vez responde à Presidência da República. Isso significa, em outras palavras, que o presidente tem total liberdade para escolher o diretor da PF, mas isso não quer dizer que ele ou qualquer outra autoridade do Executivo possa se imiscuir no trabalho do órgão – cuja autonomia, garantida pela Constituição, é essencial para conduzir suas investigações, em especial quando dizem respeito, ainda que indiretamente, às autoridades do Executivo. Seria intolerável, além de ilegal, que um presidente da República colocasse na chefia ou em qualquer Superintendência da PF um preposto para influenciar o trabalho policial, para obter informações sigilosas ou, pior, para fazer dela uma polícia privada.

A julgar pelo depoimento do ex-ministro Sérgio Moro à PF, contudo, abundam razões para supor que era precisamente isso o que o presidente Bolsonaro pretendia fazer quando pressionou Moro a trocar o superintendente do Rio de Janeiro. “Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, disse o presidente Bolsonaro a seu então ministro da Justiça em uma das tantas mensagens de texto apresentadas por Moro à PF. Ou seja, o interesse do presidente era especificamente o Rio de Janeiro.

Segundo seu depoimento, Sérgio Moro teve que esclarecer ao presidente que a escolha dos superintendentes cabe ao diretor-geral da PF, em respeito à autonomia do órgão para fazer seu trabalho. Então, para Bolsonaro, a solução era simples: substituir o próprio diretor-geral por alguém que fizesse o que ele queria. O ex-ministro qualificou tal interferência de “arbitrária”, o que, a ser verdadeiro o depoimento, é evidente para qualquer pessoa de bom senso.

Mais do que isso: Sérgio Moro informou à polícia que Bolsonaro lhe cobrou diversas vezes a entrega de “relatórios de inteligência da PF”, embora, conforme disse o ex-ministro, o presidente recebesse regularmente esses relatórios; logo, deduz-se que Bolsonaro estivesse interessado em informes de outra natureza, sabe Deus a respeito de quê. Em uma reunião ministerial, depois que Bolsonaro tornou a cobrar de Moro os tais relatórios, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, teria dito, segundo Sérgio Moro, que “o tipo de relatório que o presidente queria não tinha como ser fornecido”. O general Heleno terá a oportunidade de esclarecer esses fatos quando for chamado a testemunhar.

Em todo caso, a interrogação mais delicada permanece em aberto, e só pode ser respondida pelo presidente da República: por que Bolsonaro quis tanto trocar o superintendente da PF no Rio, primeiríssima providência que o novo diretor-geral da PF tomou assim que assumiu o cargo? “O Rio é meu Estado”, justificou Bolsonaro, como se fosse a coisa mais natural do mundo o presidente da República escolher a dedo o superintendente da PF no “seu” Estado.

Para assessores palacianos e para os militantes bolsonaristas, o depoimento de Sérgio Moro nada provou contra o presidente. No afã de defender o indefensável – a tentativa de ingerência na Polícia Federal, o que é inadmissível numa República –, os aduladores não percebem que o ônus da prova está com Bolsonaro, ou seja, é o presidente quem deve explicações consistentes, melhores do que as que tem regurgitado em suas irascíveis declarações, para ter causado tamanho tumulto em seu governo e no País, em meio a uma pandemia mortal, apenas para trocar um superintendente da Polícia Federal.

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