Uma parte da oposição considera o governo Bolsonaro
protofascista. Discordo do conceito por dois motivos: primeiro, porque vivemos
numa ordem democrática; segundo, porque a fascistização do governo não é
inexorável. Toda vez que o presidente da República faz um gesto autoritário,
tipo mandar um jornalista calar a boca, ou prestigia uma manifestação a favor
de uma intervenção militar, porém, a narrativa do protofascista ganha novos
argumentos: “E agora, você ainda acha que não estamos caminhando para o
fascismo?”, questiona um velho amigo jornalista. Diante das circunstâncias, no
entanto, vejo que é melhor explicar minha avaliação.
Estou entre os que veem no governo Bolsonaro um viés
bonapartista, porque se coloca acima da sociedade e busca se apoiar nas Forças
Armadas, com respaldo político-ideológico de pequenos proprietários,
empreendedores e corporações ligadas aos setores de transportes e segurança
pública, além dos truculentos e embrutecidos de um modo geral. Mais ou menos
como Luís Bonaparte, o sobrinho de Napoleão I. A diferença é que, no
bonapartismo, o parlamento foi completamente subjugado pelo estamento
burocrático-militar, o que não é o nosso caso, embora tenhamos um governo no
qual generais da reserva e da ativa estão dando as cartas. A lógica desse
processo é o aparelho burocrático-militar avançar em relação aos demais
poderes, em aparente neutralidade arbitral. Na França de 1851, o golpe de estado
de 2 de dezembro pôs fim ao regime parlamentar.
Aqui no Brasil, diante da maior crise sanitária que o país
enfrenta, desde a epidemia de febre amarela de 1918, e de uma recessão que
cavalga a pandemia, nossas instituições estão funcionando. O Congresso realiza
sessões por videoconferências, em marcha batida para aprovar o chamado
“Orçamento de Guerra”, que busca socorrer estados e municípios. O vai e vem da
emenda constitucional sobre o assunto, entre a Câmara e o Senado, decorre da
divisão do próprio governo, como ficou demonstrado ontem. Assessores do
ministro da Economia, Paulo Guedes, atuavam nos bastidores para garantir a
aprovação da proposta do Senado sem emendas; já o líder do governo na Câmara,
Major Vitor Hugo (PSL-GO), atuou para que houvesse modificações. Questionado,
disse que agiu de mando, ou seja, recebeu orientação do Palácio do Planalto.
Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ) recebeu a visita dos ministros
Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na
Presidência da Câmara. Os dois generais são os mandachuvas na Esplanada e
comandam as articulações para formação de uma base parlamentar com os partidos
do Centrão, na base do velho toma lá dá cá, ou seja, em troca de ocupação de
cargos no governo. A operação atraiu o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson; o
Partido Progressista, do senador Ciro Nogueira; o PL, do ex-deputado Valdemar
Costa Neto, e o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, figuras carimbadas da
chamada “velha política”. As conversas têm uma explicação: os presidentes do
DEM, prefeito ACM Neto, de Salvador (BA); do MDB, deputado Baleia Rossi (SP); e
do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), não embarcaram nas articulações para
transformar Maia num pato manco. O jeito foi retomar as conversas com o
presidente da Câmara.
Arapongas
A movimentação do Palácio do Planalto tem dois objetivos: a curto prazo,
impedir qualquer possibilidade de instalação de um processo de impeachment e
afastamento do presidente Jair Bolsonaro por crime de responsabilidade; a
médio, eleger ao comando da Câmara um aliado que possa ser pautado por
Bolsonaro, o que não acontece hoje. A longo prazo, ninguém sabe. Entretanto,
olhando ao redor, uma maioria fisiológica no Congresso é a via mais segura para
a ampliação dos poderes de um presidente da República. Essa receita foi adotada
com êxito em países como o Peru de Fujimori e a Venezuela de Chávez, a Rússia
de Putin e a Hungria de Viktor Orban.
Neste momento, onde mora o perigo? Nas manobras de Bolsonaro
para ter à sua disposição pessoal os órgãos de coerção do Estado. Por ora, a
tentativa de utilizar a Polícia Federal como instrumento de poder fracassou.
Essa intenção foi denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Isso
resultou na suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem no cargo de
diretor-geral da PF, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes, e no inquérito aberto para investigar o caso, pelo
ministro do STF Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República,
Augusto Aras.
Entretanto, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, delegou boa parte de suas atribuições a Alexandre Ramagem, que voltou à diretoria-geral da Agência Brasileira de Inteligência com superpoderes, depois de indicar seu braço direito, delegado Rolando de Souza, para o comando da PF. A agência tem por missão obter informações para o presidente da República, mas agora ganhou autonomia para contratar serviços sem licitação e financiar missões de servidores, militares, empregados públicos ou colaboradores eventuais da agência, obviamente, em segredo. Ou seja, Bolsonaro está organizando um exército de “arapongas”. É um péssimo sinal.
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