Nunca, desde abril de 1985, as Forças Armadas foram usadas
de maneira tão escancarada em favor de um projeto político. E nunca, em toda a
história do Brasil, cederam tão docilmente. A ocupação das estruturas do
Executivo por militares já depõe sobre a subserviência das forças ao presidente
Bolsonaro. Não se trata de disciplina, de obediência ao comandante em chefe,
que podem ser até a desculpa oficial, mas é porque há uma compensação. Com esse
loteamento de cargos, Jair Bolsonaro interfere à vontade em todas as instâncias
de poder militar, sobretudo no Exército.
Não fosse assim, sua ordem para a revogação de três
portarias do Comando Logístico do Exército que estabelecem controle,
identificação e rastreabilidade de armas e munições jamais passaria. Passou e
foi mais um dos muitos ataques de Bolsonaro ao Estatuto do Desarmamento, que o
Ministério Público Federal denunciou por inconstitucional. O presidente já
baixou diversos decretos autorizando porte, aumentando volume de compra de
munições, reduzindo idade e ampliando áreas para uso de armas de fogo. Quase
todos foram revogados depois de reconhecidas suas inconstitucionalidades.
Um desses decretos aumentava de 50 para 5.000 o número de
munições que poderiam ser compradas anualmente por qualquer pessoa que tivesse
arma registrada. Ela autorizava a compra de pouco mais de 2 bilhões de balas
por ano, permitindo que se dessem quase 6 milhões de tiros a cada dia no
Brasil. Caiu, claro. Em outro, Bolsonaro flexibilizava de tal forma a lei de
compra de armas que um cidadão como você e eu poderia ir ao mercado e comprar
um fuzil para defesa pessoal. Há quem veja nisso apenas o atendimento de uma
pauta da turma da bala. Ma há os que veem mais do que isso.
Haveria um projeto em curso para armar e municiar pessoas e
grupos que apoiam o presidente? O fato é que as pessoas estão cada vez mais à
vontade para portar armas. No acampamento paramilitar da Esplanada dos
Ministérios há gente armada, como revelou a líder do grupo, Sara Winter. Ela
disse que as armas servem para o grupo se defender. Se defender de quê? Todos
os acampados de Brasília são radicais antidemocráticos e atacam
sistematicamente o Congresso, o Supremo e a imprensa, e muitos são membros
efetivos ou reformados de forças militares.
Nesse sentido, os milhares de cargos federais entregues a
militares, suas famílias e seus amigos se transformam em motivadores do apoio a
Bolsonaro. Além de membros das três Forças Armadas, há cargos ocupados por
oficiais e praças da ativa ou da reserva das forças auxiliares estaduais, como
PMs e Bombeiros, e por delegados e agentes das polícias Civil, Federal e
Rodoviária. A aposta é consolidar de tal maneira a presença militar e policial
nas estruturas do poder que qualquer solavanco que ameace esses empregos se
transforme num gatilho de defesa do governo.
Eles estão por todos os lados, nos ministérios, nas
autarquias, nas estatais, nos bancos oficiais. Mas o caso do Ministério da
Saúde é exemplar. Lá há tantos militares em cargos de chefia, 18 segundo
contabilidade do GLOBO, que até papagaio bate continência. A expressão é do
falecido escritor Joel Rufino, se referia à antiga CBD, Confederação Brasileira
de Desportos e dava conta da militarização da seleção brasileira sob o comando
do almirante Heleno Nunes. Na Saúde do general Pazuello ocorre o mesmo.
A explicação de que são bons porque são disciplinados é mais esfarrapada que pano de chão velho. Ninguém é melhor em qualquer coisa apenas porque foi ou é militar. Com certeza, pode-se garantir apenas que os militares são melhores em ordem unida. Fora isso, podem ser melhores ou piores, de acordo com a formação acadêmica de cada um. O que está ocorrendo sob o manto da eficiência militar é a distribuição de cargos com salários que variam de R$ 10 mil a R$ 39 mil. E, nas ruas, colegas de farda, amigos e parentes armados e municiados servem de apoio. Assim Bolsonaro se protege, dando boquinhas aos militares e bocarras ao centrão.
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