Se não há estudos conclusivos, e se o remédio usado no
combate à Covid-19 pode causar até morte, por que ampliar seu uso no serviço
público de saúde?
Nos anos 1970 chegou ao Brasil uma figura polêmica
internacional, o futurólogo Herman Kahn, físico, matemático, escritor e
estrategista militar, que trabalhou no projeto da Bomba H e foi consultor de
diversos governos dos Estados Unidos. Considerado um gênio, dirigiu o Hudson
Institute e foi da RAND Corporation. Obeso, seu peso de 150 quilos só era menor
do que seu QI 200.
Foi o criador da tese da “destruição mútua assegurada”, MAD,
que garantia que um ataque da União Soviética geraria uma reação da mesma proporção,
base da estratégia dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.
Pois Herman Kahn chegou ao Brasil para expor um projeto
chamado “Grandes Lagos”, percebido como um primeiro passo para a
internacionalização da Amazônia tanto pela esquerda brasileira quanto pelos
militares. Uma barragem no Baixo Amazonas transformaria a bacia amazônica em um
lago gigante que desenvolveria o comércio com outros países, facilitando o
transporte de minérios e outras comoditties.
A revolta foi tamanha que uma foto sua saindo da piscina do
Copacabana Palace, com aquele corpanzil, foi usada para um grande outdoor com
as palavras: “Ciclamato nele!”. Foi um outdoor criado pelo publicitário Marcus
Pereira. O jornal O Pasquim, à época, fez muitas críticas ao futurólogo
americano. Naquele momento, pesquisas indicavam que o adoçante com ciclamato
fazia mal à saúde.
Hoje, Bolsonaro mereceria um meme com a frase: “Cloroquina
nele!”. O protocolo para o uso da cloroquina desde os primeiros sinais da
Covid-19, assinado pelo ministro interino da Saúde General Eduardo Pazuello sem
a validação de médicos, pode ser considerado uma ameaça à saúde pública, e
certamente será questionado nos tribunais, sobretudo no Supremo Tribunal
Federal que, aliás, ontem começou a tomar posição sobre tema análogo, a Medida
Provisória que busca isentar de culpa o agente público que cometer erros
durante o período da pandemia.
Ao assinar o Termo de Ciência e Consentimento para uso da
cloroquina no tratamento da Covid-19, o paciente confirma que sabe que o
medicamento pode agravar sua condição clínica. Está lá escrito: “Compreendi,
portanto, que não existe garantia de resultados positivos, e que o medicamento
proposto pode inclusive agravar minha condição clínica, pois não há estudos
demonstrando benefícios clínicos.”
Se não há estudos conclusivos, e se o remédio, usado no
combate da Covid-19, pode causar até morte, por que ampliar seu uso no serviço
publico de saúde?. E como exigir de um paciente, ou de seu parente ou
responsável, que não assuma esse risco quando está à beira da morte?
Ontem, no inicio do julgamento da constitucionalidade da
polêmica Medida Provisória que é vista como uma tentativa de livrar
autoridades, sejam da área administrativa ou da saúde, em caso de fraudes em
licitações como já ocorrem hoje, ou de erro médico na administração de remédios
como a cloroquina, o relator do caso no STF, ministro Luís Roberto Barroso, deu
o caminho que parece será seguido pela maioria.
Defendeu a punição para agentes públicos cujas decisões não
sigam critérios científicos, ou não observem os princípios da precaução e da
prevenção, tanto em relação à vida e à saúde da população quanto às decisões
econômicas, como Barroso deixou claro ao ser questionado pelo ministro Ricardo
Lewandowski.
O relator sugeriu, especialmente no que se refere à
definição de “erros grosseiros”, os seguintes acréscimos à Medida Provisória,
sem invalidá-la “1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar
violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, por inobservância:
(i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios
constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete
decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem
expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à
matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e
sanitárias, internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância
dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se
tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.
A questão da cloroquina está bem encaminhada no Supremo Tribunal Federal, seguindo jurisprudência ditada por decisão da ministra Rosa Weber relativa ao uso do amianto.
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