A aproximação de Bolsonaro com o centrão é uma mudança de
modo de governo. Ele não quis formar uma coalizão majoritária, quando tinha
condições políticas e poder de barganha para tanto. Agora não tem, nem uma, nem
outra. O desgaste precoce, o conflito com o Legislativo, o Judiciário e os
governadores, as trapalhadas na pandemia e o caso Moro lhe tiram as condições
objetivas de negociar a maioria. Escolheu ser um presidente minoritário e o
será até o fim. Então, o que ele e o centrão negociam?
Certamente nada parecido com uma coalizão programática, ou o
mais próximo disso, como imagina o vice-presidente, general Mourão. Bolsonaro
está em modo defesa. Este modo tem precedente na história recente do
presidencialismo brasileiro. Foi o que paralisou de vez o governo Michel Temer,
depois do “caso JBS”. A presidente Dilma Rousseff até ensaiou algumas
tentativas nesse modo, mas não teve sucesso.
Bolsonaro cometeu dois erros políticos importantes. O
primeiro foi demitir o ministro da Saúde. Ao fazê-lo, perdeu a possibilidade de
ter pelo menos esta parte do governo atuando de forma positiva na pandemia.
Agora ficou claro que o governo federal é parte do problema no avanço da
Covid-19, o que enfraquece seu apoio social. O outro foi forçar a saída de
Sergio Moro. Perdeu o apoio de parte dos que votaram nele para combater a
corrupção e expôs-se num caso rumoroso de comportamento irregular. Este pode se
agravar com a revelação do vídeo da reunião ministerial em que pressionou o
ministro da Justiça a intervir na Polícia Federal. Teve que entrar em modo
defesa. Um sacrifício para quem vive do confronto.
O modo defesa leva o presidente a negociar sua imunidade
junto ao Parlamento, em troca de cargos e fatias do Orçamento. Imunidade para
bloquear autorizações para que seja processado por crime comum pelo Supremo
Tribunal Federal e para evitar a aprovação de pedidos de impeachment. Não faz
parte da troca qualquer apoio a uma agenda de políticas. O modo defesa produz
uma colusão e não uma coalizão. A colusão é sempre uma aliança negativa, nunca
uma união propositiva. Não precisa de maioria, apenas de número de votos
suficiente para bloquear a formação da maioria qualificada na Câmara dos
Deputados necessária para autorizar o processo ou o impeachment, que é de 2/3.
Bastam-lhe 172 votos. É muito mais caro em cargos e recursos do que a coalizão.
O presidente fica refém e tem que pagar resgate o tempo todo.
Uma das características do modo defesa no presidencialismo
de coalizão é a paralisia legislativa. Houve, porém, uma mudança na atitude do
Legislativo, que aumentou seu poder de manejar a agenda decisória, diante da
fraqueza política de Bolsonaro. O Legislativo se tornou mais ativo. O que antes
era paralisia decisória, agora passou a ser um jogo de voto e veto. O
Legislativo vota o que quer, aumentaram muito as proposições de iniciativa dele
próprio, e o presidente veta o que não quer. Sempre com o risco de ver seus
vetos derrubados. Outro traço do modo defesa é a crise política permanente.
Estamos em crise política crônica desde o segundo governo Dilma. Há momentos em
que ela se acalma, como no primeiro ano de Temer, e outros em que se torna
aguda, como agora.
Bolsonaro já perdeu a capacidade de governança. A dúvida é
se terá condições de manter o mandato. Isto lhe custará cargos, recursos e a
política econômica. Para ficar com o mandato, terá que abandonar a política de
Paulo Guedes que o sustenta no mercado financeiro. Ele terá que evitar
conflitos com seus neoaliados no Congresso e abandonar a atitude de confronto
com os governadores a eles ligados, além de reduzir o contencioso com o
Legislativo. Como Bolsonaro só opera por confronto, será que consegue manter
sua colusão de pé?
*Sérgio Abranches é cientista político
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