Depois que tudo passar, espera-se que Bolsonaro ocupe não
mais do que um parágrafo nos livros de história, menos ainda, se possível, um
espaço compatível com a sua pequenez de político e de homem.
Mas uma coisa não dá para negar: ele criou um novo
parâmetro. A partir de agora, nenhum presidente eleito poderá ser pior, seja
quem for —aí descontada a caterva que lhe serve de claque, papagaios de pirata
sem brilho algum, nem o da reluzente ignorância que é a característica maior de
seu chefe supremo.
Depois que tudo passar, por mais que o futuro presidente
tenha seus dias de maus bofes, agindo por vaidade e burrice —combinação
explosiva—, fazendo declarações estapafúrdias e espalhando mentiras,
dificilmente ele será tão nocivo ao povo e ao país quanto Bolsonaro, que
consegue a proeza de fazer tudo isso no mesmo dia. No mesmo turno, até. Quando
não na mesma fala.
Depois que tudo passar, ninguém terá mais de ler todas as
colunas de todos os colunistas falando do “despresidente” em todas as edições.
Não precisará mais ver o “e daí?” em todas as manchetes. Nem aguentar as fotos
daquele esgar pavoroso que ele ostenta a título de sorriso, seja dando tiros
para se divertir em meio à mortandade, seja apertando a mão de seus desmiolados
apoiadores. Depois que tudo passar, “bolsonaro” (com caixa baixa) vai ser
apenas um adjetivo nas palavras cruzadas. Ignóbil com nove letras.
Depois que tudo passar, o Brasil vai levar muitos anos, quem
sabe décadas, para superar a destruição desses longos dias “bolsonaros”. Vamos
contar aos nossos netos sobre um déspota nada esclarecido que, junto com um
bando de energúmenos, fez o que pôde para acabar com a educação, a cultura, a
saúde, o meio ambiente, a justiça. Ah, mas pelo menos a economia era pujante.
Era nada, inocente.
Quando entregar um país destroçado, o desalumiado vai botar
a culpa do estrago na pandemia, nos governadores, nos prefeitos, no PT, no
Chico Buarque, no aposentado, na professora, nos jornalistas, nos comunistas,
nas feministas, nas bichas. Uma vez delirante, delirante até o fim.
Depois que tudo passar, que algum designer redesenhe urgente
a camisa da seleção brasileira. Que, ao menos enquanto a ferida não cicatrizar,
o primeiro uniforme troque o verde e amarelo que foi usurpado pelo azul, rosa,
laranja, preto, branco. Sendo cor de burro quando foge, dá para vestir com
orgulho novamente.
Depois que tudo passar.
Claudia Tajes
Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de
"Macha".
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