Os primeiros 16 meses do governo Bolsonaro representaram uma
mudança importante na forma de fazer política no Brasil. Ao contrário dos
governos anteriores desde a redemocratização, o presidente se negou a montar
uma base parlamentar no Congresso por meio da distribuição de cargos a pessoas
ligadas aos partidos.
Ainda que o Executivo tenha aprovado reformas importantes,
como a reforma da Previdência, o cadastro positivo e a Lei da Liberdade
Econômica, a ausência de base parlamentar, além de fazer com que várias medidas
provisórias caducassem e vetos presidenciais fossem derrubados, agravou o
conflito entre Executivo e Legislativo, que quase gerou uma crise institucional
no final de abril.
Diante deste cenário, o presidente da República iniciou uma
negociação com os partidos do chamado Centrão, com o intuito de formar uma base
parlamentar capaz de lhe dar suporte. O pedido de demissão de Sérgio Moro e as
acusações do ex-ministro de que a causa do pedido era a tentativa do presidente
de interferir na Política Federal e ter acesso a investigações em andamento – o
que, no limite, poderia levar a um pedido de impeachment – aceleraram as
tratativas.
O Centrão é um conjunto de partidos com perfil conservador,
composto por políticos importantes em nível regional, em grande parte quase
desconhecidos nacionalmente. Para manter a fidelidade de suas bases eleitorais,
necessitam de cargos para colocar à disposição de seus apoiadores nos Estados.
O grupo esteve no centro de várias denúncias de corrupção nos governos Lula e
Dilma: venda de votos no Parlamento (mensalão) e corrupção na Petrobrás
(Operação Lava Jato).
Existe um receio legítimo na sociedade de que episódios como
estes possam voltar a acontecer. Mas isso depende mais do Executivo do que do
Centrão. Se um não quer, dois não brigam!
Por outro lado, o apoio destes partidos parece já começar a
dar resultados concretos nas votações no Congresso. Em especial, na negociação
da ajuda a Estados e municípios. O projeto aprovado na Câmara dos Deputados
propunha uma compensação integral aos Estados e às prefeituras pela redução de
receitas com ICMS e ISS em 2020, na comparação com 2019, e foi considerado pela
equipe econômica do governo fiscalmente insustentável, por não se conseguir
prever a despesa em que se incorreria e por gerar incentivos perversos para governadores
e prefeitos.
Apesar dessa oposição, o projeto foi aprovado na Câmara e
enviado para o Senado. Em lugar de colocá-lo em votação, o presidente Davi
Alcolumbre, após negociações com o Executivo, o substituiu por outro projeto,
que atendia às demandas da equipe econômica: criou um limite nominal de
transferência de recursos (R$ 60 bilhões em quatro meses) e introduziu o
congelamento dos salários dos funcionários públicos até o fim de 2021. Uma
importante vitória do Executivo, que será confirmada caso o prometido veto
imposto ao artigo que cria exceções ao congelamento de salários seja aprovado
pelo Congresso.
O acordo com o Centrão tem, também, deixado alguns analistas
pessimistas quanto à capacidade do governo de persistir com a agenda de
austeridade fiscal e reformas estruturais. Na verdade, a história recente
mostra que o Centrão não é contra essa agenda. Ele foi um dos sustentáculos do
presidente Michel Temer no Congresso quando o governo aprovou grande conjunto
de reformas estruturais, sem as quais teria sido impossível reduzir as taxas de
juros da economia brasileira sem gerar pressões inflacionárias. Sem o Centrão,
nenhuma reforma teria sido aprovada. E sem abrir mão da austeridade fiscal.
Afinal, os cargos colocados à disposição do Centrão já estão no Orçamento. Não
precisa de gasto adicional.
Em outras palavras, se o governo negociar com cuidado, não
ceder às pressões para aumentar os gastos públicos (o que sempre acontece) e
não permitir corrupção, o apoio do Centrão poderá ser instrumental para ter
reformas com austeridade fiscal.
*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
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