O strip-tease moral do presidente e do seu desgoverno
Documento para a História
O mercado financeiro respirou aliviado no início da noite de
ontem. Nada viu na gravação da reunião ministerial de 22 de abril último que
possa derrubar o presidente Jair Bolsonaro. E comemorou quando Bolsonaro disse
que na economia manda o ministro Paulo Guedes.
Parte do Congresso criticou o que assistiu, mas expressões
inflamadas. Outra parte, ligada ao Centrão e faminta por cargos, defendeu
Bolsonaro. Quanto mais fraco o presidente, mais precisará de votos para barrar
um processo de impeachment.
Os tribunais superiores calaram-se. Ou porque seus juízes
tomaram Rivotril ou porque se resguardaram para só se pronunciarem caso sejam
provocados por ações judiciais. Nem mesmo a nota insultuosa do general Augusto
Heleno mereceu uma resposta.
Quando é poderosa e duradoura a força do absurdo, ela
normaliza o absurdo. Nem por isso o absurdo deixa de ser o que é. Por costume,
os bolsonaristas de raiz, principalmente os mais radicais deles, multiplicaram
nas redes sociais mensagens de apoio ao Messias.
Nada disso fará diferença quando Bolsonaro e seus auxiliares
forem a julgamento, seja pelo Congresso ou pela Justiça, ou seja nas urnas em
2022. A História os julgará com o distanciamento crítico que a passagem do
tempo permite. E o resultado é previsível.
O vídeo liberado pelo ministro Celso de Mello é desde já uma
peça histórica, não importa que consequências produza a curto ou médio prazo. É
a maior coleção de crimes de responsabilidade cometidos por uma malta formada
por 25 pessoas e encabeçada por Bolsonaro.
A apuração de qualquer um desses crimes dispensa maiores
investigações. O país foi testemunha deles. Nunca antes se assistiu ao vivo o
strip-tease moral de um governo. É razoável imaginar que jamais se assistirá.
Ele ficou nu. E o que se viu foi um horror.
No dia em que a Organização Mundial da Saúde anunciou que a
América do Sul é o novo epicentro da pandemia do Covid-19, o Brasil ultrapassou
a Rússia e se tornou o segundo país do mundo com o maior número de doentes –
quase 331 mil, com 21 mil mortes.
E a respeito do mal do século que há exatamente um mês, por
aqui, começava a se disseminar, o que discutiram o presidente da República e a
equipe que ele diz ter montado com tanto orgulho? Quase nada. Só tocaram no
assunto de raspão e com desprezo.
Bolsonaro afirmou na ocasião que se deveria armar os
brasileiros para que resistissem à ordem “de um prefeito” de “deixar todo mundo
dentro de casa”. No dia seguinte, assinou portaria aumentando a quantidade de
munições que os civis poderiam comprar.
O ministro da Educação, na condição assumida por ele de
ativista político, chamou Brasília de “cancro” e defendeu a prisão de todos os
ministros do Supremo Tribunal Federal, “uns vagabundos”. A ministra da Mulher
defendeu a prisão de governadores e prefeitos.
O ministro da Economia foi direto ao ponto do que de fato
preocupava Bolsonaro e foi o verdadeiro motivo da reunião: “Vamos fazer todo o
discurso da desigualdade, vamos gastar mais. Precisamos eleger o presidente”.
Quis dizer: reeleger, que é o que move Bolsonaro.
Condenado por improbidade administrativa à época em que era
Secretário do Meio Ambiente em São Paulo, Ricardo Salles, agora ministro,
sugeriu a adoção de medidas que driblassem as leis aproveitando o momento em
que a imprensa só fala do vírus.
O mais assíduo frequentador das lives semanais de Bolsonaro
no Facebook, e também um dos mais bravateiros, o presidente da Caixa, Pedro
Guimarães, antecipou que pegaria as armas que guarda em casa se sua filha fosse
presa por desrespeitar o isolamento:
– Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se
fosse eu, ia pegar minhas quinze armas e… Ia dar uma… Eu ia se… Eu ia morrer.
Porque se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer.
Bolsonaro não repreendeu nenhum ministro por seus
comentários ou propostas. Exaltado, como se sentisse acuado junto com os
filhos, emporcalhou a cena dizendo 37 palavrões (bosta, 7 vezes; porra, 8;
variações de puta, 9; merda, 5; foder, 2; fodido e cacete, 1).
No que de fato interessa ao inquérito presidido por Celso de
Mello, restou provado que Bolsonaro ameaçou, sim, intervir politicamente na
Polícia Federal como havia dito o ex-ministro Sérgio Moro. E que alguns dos
ministros ouvidos pela policia mentiram em seu socorro.
O mais grave, a juntar-se ao rol dos crimes em que incorreu
o presidente depois de empossado, foi a confissão feita por ele de que dispõe
de um serviço particular de segurança formado por policiais da ativa e da
reserva no Rio e em outros Estados. Haverá milicianos entre eles?
O vídeo é um retrato perfeito de um governo totalmente perdido em meio a uma pandemia que está longe de acabar e na iminência de ter que enfrentar a maior recessão econômica dos tempos recentes. De fato, um retrato perfeito de um desgoverno. Ou melhor: da falta de governo.
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