Organizações evangélicas repudiam Bolsonaro e manifestam
apoio à ciência
Uma carta assinada por 34 organizações e movimentos
evangélicos pede afastamento de Jair Bolsonaro (sem partido) da presidência,
defende o isolamento
social para conter a pandemia do novo coronavírus, apoia a ciência e
pede que igrejas fiquem com as portas fechadas.
O presidente foi eleito com amplo apoio de fiéis e líderes
do segmento religioso. Mas parte dos evangélicos afirma que Bolsonaro tem se
comportado de forma antiética e “dado provas de que não está à altura do
cargo”.
O documento entitulado “O governante sem discernimento aumenta
as opressões – Um clamor de fé pelo Brasil” afirma que o governo federal
“atenta contra a vida humana ao invés de praticar a justiça e compaixão pelos
pobres”, se referindo a uma passagem bíblica.
As organizações também declaram apoio às universidades e aos
centros de pesquisa, aos pesquisadores e cientistas, e dizem repudiar os
pronunciamentos de Bolsonaro contrários às recomendações de especialistas da
saúde.
“Reconhecemos a ciência como dom de Deus para cuidar da vida
humana e toda a sua criação. A fé e a ciência são aliadas, caminham juntas e
exaltam o poder divino”, diz o texto. “Nossa gratidão e solidariedade para com
os profissionais de saúde que têm experimentado grande desgaste físico e emocional.”
As entidades também manifestam solidariedade e luto pelos 20
mil mortos por Covid-19 no país e pedem que igrejas não promovam cultos
públicos, com aglomeração, mas sim usem suas estruturas para ajudar no
enfrentamento da pandemia.
Na periferia da capital paulista, algumas igrejas
evangélicas mantêm cultos presenciais, como a Plenitude do Trono de Deus,
em Guaianases (zona leste), a igreja Paz e Vida, em Cidade Ademar (zona sul),
além de várias unidades da Deus é Amor e a Adap (Assembléia de Deus Ministério
Apostólico), em Poá, na Grande São Paulo.
Também há igrejas
que adotaram os cultos online e outras que fecharam o espaço para
aglomerações, mas o deixam aberto para quem procura.1 4
O pastor Ed René Kivitz prega para o auditório vazio na Ibab
(Igreja Batista da Água Branca), que cancelou os três cultos presenciais que
costuma fazer aos domingos para evitar contaminação com o novo coronavírus. A
reunião foi transmitida pelo canal do youtube da igreja. Eduardo
Anizelli/FolhapressLeia
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As igrejas obtiveram em decreto presidencial, contestado na
Justiça, o
status de atividade essencial na pandemia, o que permite que continuem
recebendo público.
A carta cobra que prefeituras e governos estaduais garantam
o isolamento social.
“Não há nenhuma razoabilidade em se opor a crise na saúde à
crise econômica. É falsa tal divisão. Não se pode minimizar uma situação de
pandemia em favor de lucros”, afirma o texto.
O grupo propõe ainda que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
proceda o julgamento das Ações de Investigação Judicial que pedem a cassação da
chapa de Bolsonaro e do seu vice, Hamilton Mourão, em razão da disseminação de
fake news durante a campanha eleitoral.
“Convidamos irmãs e irmãos a se juntar nesse clamor de fé e
ação pelo Brasil”, pede a carta.
Entre os que assinam estão a Aliança de Batistas do Brasil,
Cristãos Contra o Fascimo, Comunidade Cristã da Lapa, Congrega, Cristãos pela
Justiça, Evangélicos pela Justiça, Evangélicos Trabalhistas (ligados ao PDT),
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Instituto Guarani, Liberta,
Missão Aliança, Nossa Igreja Brasileira, Movimento Negro Evangélico e Núcleo de
Evangélicas e Evangélicos do PT.
Os evangélicos, no entanto, tendem
a avaliar de forma mais positiva o presidente Bolsonaro e a
relativizar a pandemia do coronavírus, de acordo com pesquisa Datafolha feita
no início de abril.
O índice de ótimo ou bom atribuído à condução da crise pelo
presidente passa de 33% na população em geral para 41% quando considerados
apenas os evangélicos. Os entrevistados desse ramo cristão também são menos
favoráveis à hipótese de renúncia do presidente —o índice cai de 37% na
população em geral para 30% nesse recorte.
Enquanto na população em geral 37% consideram que a
população deve sair para trabalhar, em vez de permanecer em isolamento, entre
evangélicos esse número sobe para 44%.
Bolsonaro em seu governo costuma fazer gestos ao segmento
religioso, como comparecer a eventos, e já falou em nomear para o Supremo
Tribunal Federal um ministro “terrivelmente
evangélico”. O presidente se declara católico, mas sua mulher,
Michelle, é evangélica.
Nilza Valéria, integrante da coordenação nacional da Frente
de Evangélicos pelo Estado de Direito, uma das signatárias da carta, critica o
novo protocolo do Ministério da Justiça sobre o uso da cloroquina, divulgado
nesta quarta-feira (20). “Não é o presidente que determina o medicamente que
deve ser usado.”
Caio Marçal, membro da coordenação nacional da Rede Fale,
que também assina a carta, afirma que existe um falso dilema de que a religião
se oporia à ciência. “O saber é divino. Quando se trabalha contra a ciência, se
desmerece a ação criativa dada por Deus aos seres humanos pra que possam
desenvolver métodos de proteção das vidas.”
Para os dois, a religião assume papel fundamental em um
momento de pandemia. “Com a fé, eu consigo ter consolo, esperança. E as igrejas
sempre foram agências de socorro em momentos de tragédias sociais, doando
cestas básicas, apoiando as famílias”, diz Nilza.
Caio lembra que as igrejas têm forte presença nas periferias. “Elas poderiam facilitar a inserção de famílias pobres no acesso às possibilidades de receber auxílio em meio a pandemia. Contudo, a desinformação e a disseminação de fake news, inclusive promovidas por Jair Bolsonaro, têm colocado a vida de nossos irmãos e irmãs em risco”, afirma.
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