O presidente Jair Bolsonaro tem atraído cada vez menos
simpatizantes para as manifestações antidemocráticas organizadas pelos camisas
pardas do bolsonarismo. No domingo passado, diante do Palácio do Planalto, havia
só um punhado de devotos, a quem o presidente qualificou de “povo”. Está cada
vez mais claro que seu suporte real, hoje, depende fundamentalmente dos
partidos fisiológicos que o bolsonarismo jurou varrer. Para estes, só existe
crise quando o cheque que lhes compra o voto – isto é, a promessa de cargos na
administração federal – não tem fundos.
Esse evidente isolamento de Bolsonaro cresce na mesma
proporção em que sua incapacidade de governar se torna evidente sempre que o
presidente toma uma decisão – qualquer uma. Está cada vez mais difícil
encontrar quem aponte, sem corar, alguma qualidade nas deliberações de
Bolsonaro, em especial nas que dizem respeito à pandemia de covid-19. Ao
contrário: as decisões de Bolsonaro tendem a ser simplesmente ignoradas, como
acontecerá com seu decreto que incluiu salões de beleza e academias entre as
“atividades essenciais”, rejeitado por vários governadores.
Mas não é apenas seu governo destrambelhado que explica o
crescente descrédito. Avolumam-se denúncias contra o presidente, sua família e
seus apaniguados. A mais recente partiu do empresário Paulo Marinho, um dos
tantos bolsonaristas de primeira hora que romperam com o presidente.
Marinho disse ao jornal Folha de S.Paulo que em 2018 o hoje
senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente e na época deputado estadual no
Rio de Janeiro, lhe contou que obteve de um delegado da Polícia Federal (PF)
informações acerca de investigações sobre corrupção na Assembleia fluminense
que poderiam atingir um de seus assessores, o hoje notório Fabrício Queiroz. E
mais: que o delegado informou que uma operação da PF sobre o caso, prevista
para ocorrer na véspera do segundo turno da eleição presidencial, seria adiada
para não interferir na disputa – ou seja, prejudicar Bolsonaro. O tal delegado,
então, orientou Flávio a exonerar Fabrício Queiroz e a filha deste, Nathalia
Queiroz, que estava lotada no gabinete de Jair Bolsonaro, na época deputado
federal. Foi o que aconteceu.
O caso Queiroz afinal veio à tona em 6 de dezembro, quando o
[BOLD]Estado[/BOLD] revelou que a investigação na Assembleia havia descoberto
que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro – e muito próximo do presidente eleito –
fez movimentações bancárias atípicas, indicando suposto esquema de
“rachadinha”. Desde então, o caso assombra o clã presidencial.
A Procuradoria-Geral da República informou que vai analisar
a denúncia de Paulo Marinho, adicionando tensão a um governo que flerta dia e
noite com o caos e com a ruptura. Além das ossadas insepultas dos tempos em que
os Bolsonaros, protegidos pela mediocridade do baixo clero, podiam pintar e
bordar sem chamar a atenção, ameaça o governo a crescente mobilização da
sociedade civil para enfrentar sua evidente vocação autoritária. “É hora de dar
um basta ao desgoverno”, conclamou um manifesto da Comissão Arns, de defesa dos
direitos humanos. “Qualquer apelo e estímulo às instituições armadas para a
quebra da legalidade democrática (...) merecem a mais veemente condenação”,
declararam seis ex-ministros da Defesa em nota para reagir à tentativa de
Bolsonaro de envolver as Forças Armadas em seus devaneios cesaristas.
Bolsonaro reage a tudo isso da maneira habitual: insultando
a inteligência alheia. Durante a minguada manifestação de seus sabujos no
Palácio do Planalto, o presidente obrigou 11 de seus ministros a participarem
daquele ato constrangedor, para dar ares de grande evento. Além disso, mandou
que os líderes do ato retirassem as faixas de caráter golpista – e então
declarou que a tal manifestação, em que uma jornalista foi agredida, estava “de
parabéns” por não trazer “nenhuma faixa, nenhuma bandeira que atente contra a
nossa Constituição e contra o Estado Democrático de Direito”.
Um desinformado concluiria que ali estava um democrata confraternizando com sinceros apoiadores. O problema, para o presidente, é que os desinformados são cada vez menos numerosos – a grande maioria já sabe muito bem quem Bolsonaro é.
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