Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Renato Russo escreveu os versos de Que País é Esse? em 1987.
De lá para cá, voltamos a eleger presidentes, dois dos cinco eleitos sofreram
impeachment, ainda integramos o que se chamava de Terceiro Mundo na época dele,
e agora se diz eufemisticamente país em desenvolvimento, e vivemos a primeira
pandemia de um século que o líder do Legião Urbana não chegou a conhecer ainda
na condição de piada no exterior.
O desgoverno Jair Bolsonaro, como o Estado consagrou em sua
capa neste sábado, nos faz enfrentar o novo coronavírus de forma
destrambelhada. Irresponsabilidade, omissão, sarcasmo, falta de empatia,
autoritarismo, fanatismo, desapreço pela ciência e desprezo pela vida compõem o
arsenal que o presidente da República lança, como perdigotos tóxicos, sobre uma
Nação estupefata todos os dias.
Jogamos fora a vantagem temporal que tínhamos em relação à
Ásia, à Europa e aos Estados Unidos no enfrentamento da covid-19 descartando as
experiências exitosas que essas regiões tiveram e piorando as desastradas, algo
que choca a imprensa internacional, a comunidade médica e científica global e
os investidores já assustados com uma recessão planetária sem precedentes. É
perceptível em textos de publicações científicas internacionais, em comentários
em telejornais de outros países e em análises que agências de risco ou papers
acadêmicos a dificuldade até de explicar certas atitudes e declarações de
Bolsonaro, dado seu descolamento de qualquer traço de realidade.
A demissão do segundo ministro da Saúde em 29 dias no pico
da pandemia foi a cereja desse bolo de vergonha mundial que somos obrigados a
passar, como se já não fossem tantos os desafios perturbadores impostos pelo
desgoverno e pela pandemia em si.
Paulo Guedes pode se esgoelar para falar que fez tudo certo,
Tereza Cristina merece elogios por tentar limpar nossa barra com parceiros
comerciais ofendidos grosseiramente por seu chefe e seus pares, mas não nos enganemos:
dada nossa incapacidade de formular qualquer plano racional para saída
programada de um isolamento sabotado desde o dia 1 pelo presidente, pegaremos a
cauda do cometa da recuperação econômica global. Essa retomada não será nada
simples, nem linear. Os países reemergem de suas quarentenas atingidos de forma
diferente e mais fechados.
Quem vai querer investir num país em que o presidente assina
uma MP eximindo servidores de responsabilidade por atos tomados durante a
pandemia ao mesmo tempo em que tenta forçar um ministro (qualquer um) a assinar
decreto tornando protocolo de tratamento um remédio cuja eficácia já foi
questionada por estudos no mundo todo? Que está prestes a ser mostrado em áudio
e vídeo em todo seu esplendor apoplético e autoritário dizendo que vai intervir
na Polícia Federal para proteger sua família e “ponto final”?
Que já demitiu 11 ministros em 500 dias e ameaça, estufando
o peito de orgulho, fazer (mais) um pronunciamento em rádio e TV vociferando
contra o necessário e até aqui insuficiente isolamento social? Vamos ficar
ilhados no Brasil, com dificuldade para obter vistos para viagens de turismo ou
negócios, talvez sem sermos convidados até para campeonatos de futebol pelos
vizinhos mais pobres, mas mais bem sucedidos no combate ao vírus.
A música da epígrafe tem ainda os versos “ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da Nação”. Só que enquanto Bolsonaro vilipendia a primeira sob silêncio conivente de seus ministros e dos demais Poderes, esse futuro se torna mais distante. Não sabemos qual será o mundo pós-covid-19. Mas podemos cravar que o Brasil estará no fim da fila para ingressar nele.
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