segunda-feira, 18 de maio de 2020

PODE CHAMAR DE TUDO, MENOS DE BOLSONARISTA

Claudia Tajes, Folha de S.Paulo

Não faz muito, “filho da mãe” era uma ofensa gravíssima. Não exatamente filho da mãe, mas é melhor não usar a forma vulgar porque não estamos em uma reunião ministerial. É preciso usar as palavras certas nas horas certas.

Se alguém for chamado de filho daquela tal, talvez isso hoje provoque mais reflexão do que ira. Por que, para me atingir, agridem minha mãe? Se ela —por acaso— for aquilo de que a chamam, por que a depreciam? E, finalmente, o que o mundo tem a ver com isso?

“Filho da mãe” deixou de ser um insulto terrível ao perder tanto do seu conteúdo. Continua no topo dos xingamentos, mas sem a força que já teve. Atualmente, se quiser vilipendiar, afrontar, ultrajar alguém, é só chamar de bolsonarista. Isso sim, não dá para deixar barato.

Foi porque o colocaram em uma lista de bolsonaristas célebres que o cantor Seu Jorge se obrigou a uma live de emergência. “Eu não tenho a menor condição de apoiar esse senhor”, ele disse e repetiu para seus seguidores.

O mal-entendido deu-se porque, de volta ao Brasil em julho de 2019, Seu Jorge declarou que esperaria para ver as atitudes do atual desgoverno. O que seria implementado, o que seria respeitado. Isso Bolsonaro já respondeu: nada. O resto é história. Eu não tenho a menor condição de apoiar esse senhor.

Já não basta não ser bolsonarista, é preciso não parecer bolsonarista.

Quem não compactua com isso daí faz questão de mandar um “me inclua fora dessa” geral. Bolsonarista é uma injúria muito feia. Quer dizer, para início de conversa, que a pessoa coloca ela mesma acima de todos e seus filhotes acima de tudo.

Significa não respeitar os vivos nem, óbvio, os mortos. Não respeitar o diferente —seja uma opinião ou alguém. Andar cercado pelas piores pessoas. Mas pense nas piores mesmo. Se você for uma criatura dita comum, é muito provável que jamais conheça pessoas tão horrorosas. Ser ignorante. Ser orgulhoso da própria ignorância. Desprezar o conhecimento.

Lutar contra os corruptos (pronuncia-se corrupitos), a não ser que sejam da sua turma. Mentir na cara dura e, depois, mentir de novo para consertar. Assim até o fim dos tempos.Tratar o país como o quintal de casa. Não vão f* minha família. Bem fez Seu Jorge em desmentir no ato. Se ninguém merece ser ofendido de graça, muito menos de bolsonarista. É muto baixo nível. Que venham as lives de repúdio.

Claudia Tajes

Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de "Macha".

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário