domingo, 24 de maio de 2020

PODE DAR CERTO. DE QUE VEZ EM QUANDO DÁ ERRADO

Alon Feuerwerker, Análise Política
O título é acaciano, eu sei. Mas vamos lá.  
A história registra que a tática eleitoral do PT em 2018 acabou dando errado no segundo turno. No primeiro deu certo. Mesmo fortemente fustigado havia anos, o partido levou seu candidato à final presidencial e elegeu boas bancadas legislativas, além de manter razoável cota de governadores, próprios e aliados. O que deu errado, para o PT, foi a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República.
No desenho tático petista, a ida de Bolsonaro à decisão permitiria, até forçaria, a formação de uma frente ampla antibolsonarista, e a onda montante acabaria dando a vitória a Fernando Haddad. A história também registra que essa frente nunca chegou a se formar, pois uma parte dos votos potencialmente frentistas absteve-se, e outra votou mesmo foi no capitão. É a fatia de mercado que até há pouco achava o governo regular mas apostava que acabaria melhor.
Por uma dessas curiosidades históricas, a linha estratégica do bolsonarismo rumo a 2022 é aquela mesma petista, só trocando o sinal. Supõe que basta manter fiel algo em torno de 30% do eleitorado, apostar num replay da polarização do segundo turno de 2018 e levar novamente a taça para casa surfando na onda do antipetismo, ou do antiesquerdismo, ou do anticomunismo. Tem lógica. Como tinha muita lógica a linha petista de 2018.
O que pode dar errado agora? A mesma coisa que deu errado em 2018. Na operação para manter a hegemonia no núcleo mais fiel da base, você acaba produzindo atritos em volume suficiente, acaba isolando-se numa intensidade cujo efeito colateral é dificultar lá na frente o reagrupamento. Cria-se uma situação em que o adversário nem precisa se esforçar muito. Ele acaba fazendo uma colheita de votos quase espontânea.
Talvez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril não venha a produzir maiores consequências jurídicas. Vamos aguardar. Mas já produziu efeito político. Dificultou um pouco mais aos não bolsonaristas de raiz apresentar o atual presidente como alternativa aceitável. Não chega a ser irreversível, mas o quadro merece atenção. Também porque a ofensiva contra certos importantes personagens institucionais vai pedir destes algum tipo de resposta.
E eles têm tempo para isso. A vingança, sabe-se, é um prato que pode perfeitamente ser comido frio.
Entrementes, à esquerda basta esperar e assistir ao progressivo descolamento entre a direita e o chamado centro. Esta semana o PT e partidos aliados entraram com um pedido de impeachment. Talvez deva ser visto como o cumprimento de um ritual. Aquilo que na política se chama “ocupar o espaço para evitar que outro ocupe”. A esquerda fez o que dela se esperava. Se não der em nada, sempre poderão dizer que fizeram algo.
Mas é visível, até palpável, o pouco entusiasmo na esquerda pela ideia de impeachment. Se Bolsonaro é a instabilidade, o que viria na sequência seria a estabilidade do mesmo projeto.
À esquerda basta agora assistir ao esgarçar da frente adversária, avivando de vez em quando a fogueira que consome as boas relações entre a direita e o dito centro. A reunião ministerial ofereceu matéria-prima abundante para a continuidade do esgarçamento. Que poderá ser potencializado no momento certo por o Brasil caminhar forte na disputa do pódio de mortes pelo SARS-Cov-2.
E tem ainda a economia. Last but not least.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação.
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