Aos que pregam acomodar a situação política, sem fazer
especial caso das acusações do ex-ministro Sérgio Moro contra o presidente Jair
Bolsonaro, vale lembrar a experiência de 2005, quando lideranças políticas
optaram por poupar o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do
mensalão. O País sofre até hoje as consequências dessa transigência com a
ilegalidade.
Em junho de 2005, envolvido em denúncias de corrupção nos
Correios, o deputado Roberto Jefferson (PTB) revelou a existência de um esquema
de compra de votos realizado pelo PT, o mensalão. Segundo o então presidente do
PTB, o partido de Lula pagava mesadas de R$ 30 mil para que parlamentares
votassem a favor do governo na Câmara.
Instaurada no mesmo mês, a CPI dos Correios foi ocasião para
que o País tomasse conhecimento de como o PT operava no poder, num amplo
esquema de corrupção. Diante dos escândalos, José Dirceu renunciou à chefia da
Casa Civil, sendo substituído por Dilma Rousseff. O presidente do PT à época,
José Genoino, também teve de deixar o cargo. Houve vários indiciamentos. Os
mandatos parlamentares de Roberto Jefferson e José Dirceu foram cassados. No
entanto, o presidente Lula foi estranhamente poupado.
Em agosto de 2005, no auge da crise, Lula reconheceu a
existência de ilegalidades no governo. Em pronunciamento nacional, o então
presidente da República disse que tinha sido “traído por práticas inaceitáveis
das quais nunca teve conhecimento” e pediu desculpas pelos “erros” cometidos.
Era o primeiro mandato presidencial de Lula, e houve uma acomodação da
oposição, com base num raciocínio que se mostrou completamente equivocado. A
ideia era de que não havia necessidade de um processo de impeachment, já que,
diante de tantas denúncias, Lula não seria reeleito. Bastaria esperar as
eleições de 2006.
Longe de enfraquecer o PT, a tolerância com Lula no mensalão
facilitou a permanência do partido no poder. Se mesmo com todas aquelas
revelações Lula era deixado intacto, a consequência era de que ele poderia
fazer, a partir daquele momento, o que bem entendesse. Depois, o País teve o
dissabor de ver até onde o PT foi capaz de ir. Petrolão, aparelhamento ideológico
e a desastrada política econômica petista são alguns exemplos da falta de
limites.
Agora, em vez de Roberto Jefferson, tem-se o ex-ministro da
Justiça Sérgio Moro, denunciando a insistência de Jair Bolsonaro em interferir
politicamente na Polícia Federal (PF). No dia 24 de abril, o ex-juiz da Lava
Jato não pediu demissão do cargo por divergências políticas. Ele acusou o
presidente Bolsonaro de querer “ter (na chefia da PF) uma pessoa do contato
pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência.
(...) Não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”.
Segundo Moro, “o presidente também me informou que tinha preocupação com
inquéritos em curso no STF e que a troca também seria oportuna na Polícia
Federal por esse motivo”. No mesmo dia, uma prova contundente dessa acusação
foi apresentada ao País. Em conversa de WhatsApp com o então ministro Sérgio
Moro, o presidente da República indicou que a investigação de deputados
bolsonaristas era mais um motivo para trocar a chefia da PF.
As acusações são gravíssimas e é preciso investigar. Não há
manobra política capaz de apagar as denúncias de Sérgio Moro. A interferência
do presidente da República na PF, algo que não ocorreu nem mesmo nos
desastrosos governos petistas, como lembrou Sérgio Moro, não pode ser relevada
por um acordo político. Trata-se de denúncia que envolve aspecto central do
Estado de Direito - a capacidade de o poder público investigar com isenção as
violações da lei.
Sendo tão graves, as denúncias também não podem ser
esquecidas sob a alegação do caráter excepcional da crise da covid-19. A
pandemia não foi motivo suficiente para deter o ímpeto do presidente Jair
Bolsonaro de remover Maurício Valeixo da Superintendência da PF. Não cabe agora
valer-se dela como desculpa para não investigar. A experiência de 2005 com Lula
ensina: tolerar o intolerável é abrir a porta para desmandos ainda maiores.
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