A leitura da transcrição da patética reunião do ministério
de Jair Bolsonaro exige algum tempo, mas chega a ser um exercício pedagógico,
sobretudo num tempo de horas vagas. Descontem-se os palavrões (37). Esqueçam-se
as tolices (um dos maganos dizendo que o pico da epidemia parecia ter passado).
Deixem-se de lado os delírios presidenciais. Sobra o quê? O ministro da
Economia, Paulo Guedes, dizendo que leu o economista inglês John Maynard Keynes
no original, insistindo nas suas “reformas estruturantes” e colocando duas
propostas na mesa.
A primeira foi criativa, caso inédito de colocação do
maoísmo a serviço dos cânones da universidade de Chicago. Ele propôs uma
mobilização de jovens para que se formassem como aprendizes. Quantos? “Duzentos
mil, trezentos mil”. Nas suas palavras: “O cara de manhã faz calistenia, canta
o hino, bate continência”, ajuda a abrir estradas e “aprende a ser cidadão”. O
doutor lembrou que a “Alemanha fez isso na reconstrução”. Em 1945 a Alemanha
estava destruída e faminta, mas deixa pra lá.
Afora a ingenuidade dessa proposta de militarização do andar
de baixo, Guedes expôs outra avenida para o progresso e novamente inspirou-se
na Ásia. Nas suas palavras:
“O problema do jogo lá… nos recursos integrados
[provavelmente ele disse “resorts”]. Tem problema nenhum. São bilionários, são
milionários. Executivo do mundo inteiro. O cara vem, é… fazem convenções …
olha, a … o … o turismo saiu de cinco milhões em Cingapura pra 30 milhões por
ano. (…) Macau recebe 26 milhões hoje na … na China. Só por causa desse
negócio. É um centro de negócios. É só maior de idade. O cara entra, deixa
grana lá que ele ganhou anteontem, — ele deixa aquilo lá, bebe, sai feliz da
vida. Aquilo ali num … atrapalha ninguém. Aquilo não atrapalha ninguém. Deixa
cada um se foder. (…) O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do
jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário.
Deixa o cara se foder, pô! Não tem … lá não entra nenhum, lá não entra nenhum
brasileirinho”.
No meio de uma epidemia e de uma recessão, o ministro da
Economia oferece a legalização da jogatina em resorts turísticos. Esse é um
velho sonho de Bolsonaro, desde sua conversão à ideia pelo magnata americano
Sheldon Adelson, dono de resorts em Las Vegas, Cingapura e Macau. De fato, nos
cassinos de Adams, “brasileirinho” não entra. Guedes conhece o Rio de Janeiro.
Ele ganha um mês de férias em Macau se realmente acredita que alguém operará um
cassino por lá sem que o crime organizado (e a milícia) entrem na operação. Sem
cassinos, três governadores do Estado foram para a cadeia e um continua lá. (Na
China, o hierarca que ocupou cargos equivalentes à presidência da Petrobras e
ao Gabinete de Segurança Institucional está trancado).
O aspecto patético da reunião presidida por Bolsonaro é que
ela não leva a lugar nenhum. E não leva porque o presidente não tem a menor
ideia do que fazer, salvo sair por aí arrumando brigas.
Alô, alô Faria Lima
Um trecho das falas de Paulo Guedes, para a turma do papelório pensar na vida.
“Ô presidente, esses valores e esses princípios e o alerta
aí do Weintraub é válido também, como seu… sua evocação é que realmente nós
estamos todos aqui por esses valores. Nós tamos aqui por esses valores. Nós não
podemos nos esquecer disso. Nós podemos conversar com todo mundo aqui, porque é
o establishment, é porque nós precisamos dele pra aprovar coisa, mas nós
sabemos que nós somos diferentes. Nós temos noção que nós somos diferentes
deles”.
O Centrão no FNDE
Jair Bolsonaro prometeu governar com a boa vontade daquilo que chamava de
“bancadas temáticas”. Nem ele, que acredita em “resfriadinho”, acreditava
nisso. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da
Agropecuária avisava: “Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo
modelo produzirá, de duas uma: ou é adivinho ou está mentindo”. Deu-se o
inevitável e a “nova política” do capitão desembocou num acordo com o velho
centrão. Nem sempre o inevitável precisa ser tóxico, os governos anteriores
mantiveram padrões variáveis de moralidade nas suas negociações com essa
bancada de interesses difusos, mas Bolsonaro exagerou. No primeiro
toma-lá-dá-cá entregou o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. No
segundo, terceirizou uma diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, entregando-a ao chefe de gabinete da liderança do Partido Liberal,
onde reina o inesgotável Valdemar Costa Neto. Com um caixa de R$ 55 bilhões o
FNDE não é coisa que possa ficar dando sopa.
Em menos de dois anos do governo de Bolsonaro, esse fundo já
teve três presidentes e vida acidentada. Com pouco mais de uma semana, em
janeiro de 2019, descobriu-se que uma mão invisível havia mudado um edital,
permitindo a inclusão de publicidade nos livros didáticos. A burocracia
explicou-se dizendo que “houve um erro operacional no versionamento”. O que é
isso, não se sabe. Em agosto passado o FNDE publicou um edital para a compra de
1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops para a rede pública de ensino.
Coisa de R$ 3 bilhões. A Controladoria Geral da União sentiu cheiro de
queimado. E não era para menos, 355 escolas receberiam mais laptops que seu
número de alunos. Uma delas, em Itabirito (MG) receberia 30.030 laptops. Como
tinha 255 alunos, disso resultaria que cada um deles receberia 117 pequenos
computadores.
O edital foi suspenso, o presidente do FNDE foi trocado e a
peça foi revogada. Pouco depois,sem qualquer aviso, caiu o segundo gestor do
fundo. O que seria um caso clássico de bom funcionamento dos órgãos de controle
da máquina do Estado, tornou-se também um exemplo da falta de transparência de
um governo que faz uma nova política. Ninguém sabe quem botou o jabuti no
edital de agosto.
O ministro da Educassão, Abraham Weintraub, perdeu a
oportunidade de lustrar sua biografia. Em vez de sugerir a prisão de ministros
do Supremo, poderia ter mostrado o caminho da Procuradoria à turma que concebeu
o edital do FNDE.
Brazil?
De um empresário que opera internacionalmente:
“Do jeito que vai a reputação do Brasil pelo mundo afora,
daqui a pouco eu só conseguirei ser atendido pelas secretárias eletrônicas”.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e não acredita em denúncias.
A única coisa que ele não entende é por que os Bolsonaro
demitiram Fabrício Queiroz e sua filha Nathalia.
Tendo demitido o chevalier servant os Bolsonaro não deveriam
ter se interessado pela sua defesa.
Proeza
O governo do Rio conseguiu uma proeza: antecipou os escândalos em torno da
construção dos hospitais de campanha e adiou suas inaugurações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário