Máscaras são proteções úteis contra a transmissão do vírus
em lugares confinados ou em meio a aglomerações. O Congresso aprovou lei que
obriga o uso de máscara em todos os locais públicos, inclusive os abertos, onde
são inúteis. Bolsonaro vetou trechos da lei sobre lugares fechados, como lojas,
templos, escolas e penitenciárias — mas não os que tratam de calçadas, parques
ou praias. Os dois atos não têm relação com as necessidades postas pela
emergência sanitária. São gestos políticos, no pior sentido da palavra.
A máscara tornou-se símbolo do conjunto de medidas
sanitárias adotadas por sociedades que, sem vacinas, preservam a capacidade do
sistema de saúde de operar na pandemia. Os vetos presidenciais, destituídos de
efeito prático por contrariarem normas estaduais, formam um manifesto da
negligência. Inspirado por uma extrema direita mística, Bolsonaro está dizendo
que o “vírus chinês”, a “kung-flu”, nas expressões de Trump, é um elemento da
conspiração internacional de comunistas e globalistas contra as nações.
Sabe-se que o vírus é transmitido à curta distância por
partículas emanadas pela respiração e emissão de sons de infectados.
Discute-se, entre especialistas, a hipótese provável de que nuvens
microscópicas de partículas permaneçam suspensas no ar por algum tempo, o que
reforçaria a utilidade das máscaras e exigiria mudanças na ventilação dos
ambientes. Mas o debate mira, apenas, os locais confinados.
O consenso científico assegura que é estatisticamente
desprezível a chance de contaminação em lugares abertos, com exceção de
aglomerações. Nesses locais, máscaras são contraproducentes pois sofrem
manipulação frequente e cobrem-se de sujeira. Mesmo assim, o Congresso resolveu
obrigar pedestres, ciclistas e motociclistas a transitarem mascarados. Como o
ridículo desconhece fronteiras, máscaras tornaram-se obrigatórias até em
trilhas rurais desertas.
A exigência é duplamente punitiva. De um lado, impõe
desconforto permanente, que atinge com mais força os trabalhadores envolvidos
em longos deslocamentos. De outro, incute a ideia opressiva de que somos,
todos, riscos biológicos perenes. Mas, com a lei, os parlamentares preferiram
marcar distância frente a Bolsonaro, virando as costas para a vida cotidiana
das pessoas comuns. Algo similar foi feito pelo governo separatista catalão,
para distinguir a Catalunha da Espanha.
Os governadores alinharam-se à letra da lei votada pelos
parlamentares, apressando-se a ameaçar os cidadãos com pesadas multas. No
Distrito Federal, o governador bolsonarista Ibaneis Rocha, um dos pioneiros da
multa infame, ficou impune quando flagrado de rosto nu em local aberto. Mas,
Brasil afora, sob o silêncio cúmplice do Ministério Público, a polícia ganhou o
direito de pescar aleatoriamente violadores da norma absurda.
Os países que controlaram a onda inicial da pandemia com
rigorosas quarentenas e programas extensivos de testagem nunca impuseram o uso
de máscaras em lugares abertos. A imposição da máscara nesses lugares
destina-se a mascarar a negligência generalizada das autoridades. As pessoas devem
andar mascaradas para disfarçar a ausência de coordenação sanitária nacional, a
falta de programas de testagem em massa, o casuísmo na seleção de medidas de
flexibilização.
A Flórida, governada por um fiel de Trump, impôs o uso do
apetrecho em locais abertos após novo surto provocado por uma reabertura
descontrolada. A obrigação da máscara em lugares não confinados é indicador
seguro da negligência sanitária oficial. No Brasil, a “rigidez” estadual para
chinês ver acompanha, como uma sombra, a displicência explícita, criminosa, do
governo federal.
Atrás da máscara, há um governador esperto culpando o povo
pelo fracasso do governo. A máscara na praça vazia oculta o templo lotado, que
abriu antes da praia. A máscara na face do motoboy encobre os kits de testes
estocados, aos milhões, pelos governos estaduais. A máscara no rosto do
ciclista dissimula o abandono das favelas sem água potável, esgoto ou sabonete.
A hipocrisia — é isso que a máscara protege.
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